A evolução da pandemia e a estratégia do governo colocam um dilema no horizonte: depois de adiar o arranque do 2º período de aulas para dia 10 de Janeiro, o Governo deve manter as escolas encerradas mais tempo, face à evolução da pandemia? Eu sei que isto soa ao dilema do costume e que, em Janeiro de 2020, a questão também se debateu intensamente. Mas as diferenças, hoje, são muitas. Por um lado, as de contexto: a população adulta e adolescente está vacinada e a variante dominante da Covid-19 causa menos doença grave, mesmo se é muito mais contagiosa. Por outro lado, para além das eleições legislativas a 30 de Janeiro, existe uma diferença política substancial: o Governo tinha uma estratégia para manter as escolas abertas que assentava na vacinação das crianças a partir dos 5 anos de idade — e, tudo indica, essa estratégia falhou.

Os dados conhecidos revelam que a vacinação das crianças, até ao momento, tem tido pouca adesão. Em Portugal continental, nas idades de 10 e 11 anos, apenas cerca de 25% das crianças terá sido vacinada — muito abaixo das expectativas das autoridades públicas. Quando for a vez dos mais novos (entre os 5 e os 8 anos), é razoável estimar que a adesão possa ser ainda inferior. É o que sugere a experiência na Região Autónoma da Madeira: do total de crianças entre os 5 e 11 anos de idade (14.715), apenas 8% foi vacinada (1190), sendo que, mesmo entre as crianças pertencentes a grupos de risco, a adesão foi muito baixa — 27% (321). A menos que a situação conheça uma viragem dramática e inesperada, podemos estar confiantes de que, no dia 10 de Janeiro, haverá uma percentagem muito baixa de crianças vacinadas.

Esta baixa adesão tornou-se um problema político, criado pelo próprio Governo. Recorde-se que, na véspera de arrancar a vacinação das crianças abaixo dos 11 anos, o primeiro-ministro salientou a importância da vacinação para devolver a normalidade à vida das crianças e acabar com as suspensões do ensino presencial. Recorde-se, também, que o ministro da Educação se havia pronunciado no sentido de uma vacinação “rápida e extensa” das crianças a partir dos 5 anos, sublinhando o seu desejo de que tal se verificasse até ao início das aulas em Janeiro, no sentido de garantir segurança nas escolas. Ou seja, no seu discurso, o governo associou a vacinação com a normalização da vida escolar. E, por isso, cometeu o mesmo erro duas vezes. Primeiro: usou a normalização da vida escolar como argumento para vacinar. Perante uma população infantil que não é grupo de risco, tratou a vacina como uma protecção não tanto contra a doença, mas sobretudo contra os confinamentos (que são decisões políticas) — e não convenceu as famílias. Segundo: fez depender a percepção de segurança nas escolas com a vacinação alargada da população estudantil. E, agora, com a baixa adesão das famílias, fica encurralado pelo seu próprio argumento se quiser (como acredito que queira) abrir as escolas — tem de convencer as comunidades escolares que, afinal, a vacinação não é condição necessária para as escolas serem espaços seguros.

No plano argumentativo, parece um beco sem saída. Mas não é — todos os problemas têm solução. E, neste caso, a solução passa por mudar de estratégia e adequar as respostas das políticas públicas às características da população e da variante Ómicron. Ou seja, aceitar que, perante um vírus que causa menos casos de doença grave, os confinamentos deixam de ser uma medida eficaz e proporcional, sobretudo no caso de uma população tão vacinada como a portuguesa — sendo preferível que a população se imunize naturalmente, como sugere Manuel Carmo Gomes. Aceitar que, com tantos casos de infecções e uma maioria deles assintomáticos, os períodos de isolamento têm de ser encurtados — como já se aplica nos EUA e se equaciona por cá. Aceitar que, pelos dados apurados, o encerramento das escolas é uma medida com efeitos educativos, sociais e sanitários tão graves que o prejuízo ultrapassa largamente o eventual benefício de confinar no contexto actual. No fundo, aceitar que não se pode continuar a olhar para a pandemia com os mesmos olhos de 2020 e que, cada vez mais, temos de nos adaptar, ajustar as regras e viver com um vírus que se tornará endémico.

O dilema resume-se em duas frases. O governo associou a vacinação de crianças com a normalização da vida escolar, fez mal e, com a baixa adesão às vacinas, inventou um problema. Agora, tem de mudar a estratégia, para não ter de encerrar escolas. Terá o Governo a coragem necessária para assumir tal mudança de estratégia? Num contexto de eleições legislativas, a pergunta, para ser justa, tem de ser acompanhada de outra: terão os partidos, da esquerda à direita, a lucidez e a seriedade para não fazer da campanha eleitoral uma exploração do medo da população, que impediria tal mudança de estratégia? Temo o pior. E, se as escolas se tornarem campo de batalha para ganhar votos, perderão os do costume: os alunos.

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