Já escrevi que o ensino à distância tem várias insuficiências e que é um fraco substituto do ensino presencial. Já explorei os efeitos iniciais do encerramento das escolas na aprendizagem dos alunos, em particular dos alunos com dificuldades e dos alunos socialmente desfavorecidos. Já defendi que, o quanto antes, a reabertura das escolas e o regresso às aulas em Setembro deveria ser antecedido de aulas de apoio, de frequência facultativa, para colmatar o que se ampliou em desigualdades de aprendizagem desde Março. E, claro, já assinalei que considero um erro grave a decisão de manter, para o ensino básico, o resto do ano lectivo 2019/2020 em ensino à distância, sabendo-se que o dano na aprendizagem aumenta a cada dia que as escolas permanecem fechadas. Mais errado se torna observando-se que o critério de fechar escolas é inconsistente com outras opções que têm sido tomadas. O exemplo das praias é gritante e basta ler o que escreveram João Miguel Tavares e André Abrantes Amaral. Não há como contornar: é uma vergonha manter as escolas fechadas e, ao mesmo tempo, ir dar mergulhos para a praia.

Há algo mais a dizer? Sim, há. Primeiro, que se o erro foi de natureza política, as consequências merecem ser escrutinadas politicamente. Segundo, que é ainda possível corrigir o golpe, venha o governo a decidir em conformidade.

Encerrar as escolas em Março foi uma necessidade — aliás, muitas famílias isolaram-se em casa antes do anúncio do encerramento. Mas mantê-las fechadas para os alunos do ensino básico foi uma opção política errada, precipitada e submissa. Errada, já o expliquei antes, porque o dano social e de aprendizagem é brutal e aumenta a cada dia. Precipitada, porque a decisão foi tomada no início de Abril, há quase dois longos meses durante os quais tanto se aprendeu sobre a Covid-19 e muita coisa mudou — o governo não precisava de excluir o regresso do ensino básico ao presencial, bastar-lhe-ia remeter essa decisão para outro momento (como muitos países europeus fizeram). Por fim, foi uma decisão submissa, porque abdicou do bom-senso de não tomar prematuramente decisões definitivas e comprou a paz acatando as propostas sindicais de não-reabertura.

Essa decisão política terá elevados custos sociais e educativos. Já o sabíamos desde o início, quando surgiu a necessidade de fechar estabelecimentos de ensino. Mas esses custos foram prolongados. E, à medida que o tempo passa e se acumulam evidências do dano causado aos alunos, esse prolongamento tornou-se insustentável. Em França, estima-se que até 20% dos alunos se tenham vindo a desligar do ensino à distância desde Março (mesmo que o número oficial do governo francês ronde os 4%, indicador já amplamente contestado nas escolas). Nos EUA, estimativas apontam para que o dano na aprendizagem desta suspensão de aulas até Setembro possa chegar, em algumas idades e particularmente no 1.º ciclo, à perda de até 50% dos conhecimentos adquiridos no ano lectivo a matemática e 30% em leitura — e isto partindo do pressuposto que as aulas presenciais retomam em Setembro e que o dano não será ainda maior. E há quem já estabeleça comparações que, não sendo directas, servem de alerta. Por exemplo, em Nova Orleães após o furacão Katrina (2005), as crianças ficaram um mês sem aulas e, quando retomaram, fizeram-no com intermitências devido às mudanças de instalações, acumulando períodos de suspensão de aulas que se aproximam dos actuais. Resultado: a recuperação dessas lacunas de aprendizagem demorou dois anos a ser alcançada.

Em Portugal, não existem indicadores oficiais (irão existir?) que permitam aferir o impacto que a pandemia e as medidas políticas de resposta estão a gerar na educação — assiduidade, abandono escolar, desempenho escolar, desgaste docente, desigualdades sociais e lacunas geradas. Talvez por isso, também será menor a pressão social para medidas de compensação. Mas não faltam evidências internacionais de que estamos a cavar um buraco cada vez mais fundo e do qual, teme-se, nem todos os alunos conseguirão sair. Portanto, não é só nas questões sanitárias, aqui também não devemos relaxar. Quando se prepara o final do ano lectivo e se lança o próximo, é crucial que o governo entenda que tem a responsabilidade de travar esta sangria na aprendizagem. Aplanar a curva da “desaprendizagem” é uma prioridade excepcional que justifica medidas excepcionais. Como esta: se não abre as escolas durante o ano lectivo, que as reabra para aulas de apoio facultativas durante o Verão.

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