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O ensino à distância funciona?

Os alunos aprendem mesmo no ensino à distância? Os professores estão preparados? O que acontece aos alunos mais desfavorecidos? O abandono escolar aumenta? Ensaio de Alexandre Homem Cristo.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

O desenvolvimento de soluções tecnológicas para a criação de novas formas de ensino é uma área vibrante da Educação, com múltiplas inovações nos últimos anos, algumas delas com provas dadas e claro impacto positivo nos alunos. Hoje, através da internet, facilmente se obtém acesso a centenas de vídeos educativos, jogos e exercícios para aprendizagem, conteúdos interactivos para professores usarem ou mesmo plataformas digitais que são autênticas escolas no mundo virtual. E por isso, face aos desafios que a pandemia do Covid-19 está a colocar também sobre os sistemas educativos com escolas fechadas, dezenas de recursos pedagógicos (pagos ou gratuitos) têm sido referenciados como alternativas nos jornais, pelos organismos oficiais (como o Ministério da Educação) ou pela UNESCO, incentivando os professores e os alunos a explorar o ensino à distância.

A iniciativa faz sentido. Mais: neste contexto de emergência e isolamento social, é a única solução viável para, de forma quase imediata, proporcionar aos alunos uma espécie de continuidade de aprendizagem. Mas, sendo a solução possível, até que ponto se trata de uma solução eficaz? De facto, persistem ainda muitas dúvidas nas comunidades científicas sobre a eficácia do ensino à distância em termos de aprendizagem, sobretudo quando comparado com o ensino em contexto escolar e presencial. A pergunta-chave é esta: até que ponto o ensino à distância funciona e os alunos aprendem mesmo? Se quer uma resposta rápida, aqui vai: o ensino à distância é um fraco substituto do ensino presencial. Mas, claro, a sua eficácia varia em função de vários factores, desde a preparação do professor para o ensino à distância ao perfil específico do aluno. São esses detalhes e as respostas da investigação sobre o tema que se apresentará neste ensaio, assim como uma reflexão sobre o que isso implica para Portugal, no momento actual.

O ensino à distância é só a ponta do icebergue da tecnologia na educação

A tecnologia na educação tem numerosas formas de ser utilizada. Pode ser um assistente à aprendizagem em contexto escolar ou até ajudar à revisão em casa de matéria dada na escola. Ou então pode substituir-se integralmente à frequência física de uma escola. Não faltam variações. Pode usar-se dentro ou fora da sala de aula, com ou sem professor, como apoio suplementar ou como substituto das aulas presenciais, como solução de estudo autónomo ou como alternativa única para quem habita em áreas remotas. As opções são mesmo imensas. E as diferenças entre umas e outras são tão significativas que cada uma deverá ter os seus efeitos estudados isoladamente, para que fique claro o que funciona e o que não funciona. Por exemplo, os efeitos na motivação dos alunos variam fortemente entre a utilização da tecnologia numa sala de aula (com interacção com professor) ou da tecnologia para ensino à distância (sem interacção cara a cara com o professor).

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Assim, pretendendo-se saber mais sobre o ensino à distância integral, a primeira dificuldade é que este é habitualmente muito pouco usado e, por isso, muito pouco estudado nos seus efeitos. No ensino básico e secundário, trata-se de uma solução sobretudo de recurso para quem vive em áreas rurais remotas ou para quem, por motivos familiares, se move pelo território nacional sem morada fixa. Em Portugal, os números de alunos inscritos em modalidades deste tipo (ou similares) são extremamente baixos.

A nível internacional, existem países onde o ensino à distância já tem alguma tradição. O caso mais óbvio é o dos EUA, visto que em alguns dos seus estados a frequência de ensino à distância é comum ou até obrigatória para determinadas disciplinas — e, por isso, já alcança milhares de alunos. Para o propósito deste ensaio, isso tem uma vantagem: permite que os efeitos nos alunos sejam estudados, mesmo que ainda pouco se saiba sobre como funciona. É, por exemplo, o caso da Florida, que obriga os alunos do ensino secundário a frequentar, antes da conclusão do 12.º ano, pelo menos uma disciplina na modalidade de ensino à distância. Para tal, foi criada a Florida Virtual School, uma plataforma mantida pelas autoridades públicas daquele estado que oferece centenas de diferentes formações online à escolha dos seus alunos. Os efeitos desta opção têm sido sucessivamente analisados para diversas dimensões – desde os desempenhos dos alunos ao seu relacionamento com a tecnologia.

O ensino à distância aparenta ser mais benéfico para “alunos experientes”, mas parece uma má opção para os alunos que já sentem dificuldades e que, por esta via, muito provavelmente, ficarão ainda mais para trás em relação aos seus pares que frequentarem aulas presenciais.

Facto é que, apesar de ser raríssimo no ensino básico e secundário português, há muitos anos que se ouve falar do ensino integralmente à distância. Porquê? Por causa do ensino superior. Nas universidades, são muitas as formações avançadas e cursos a serem administrados totalmente à distância, em Portugal e um pouco por todo o mundo. É uma opção cada vez mais generalizada e, de resto, uma forma de universidades de prestígio financiarem actividades, com cursos online para todo o mundo. Não falta, aliás, quem aponte para o ensino à distância como o futuro do ensino superior. E, consequentemente, são muito mais numerosos os estudos sobre o impacto nos estudantes do ensino superior.

O que concluem? Na generalidade, não são muito positivos. Concluem que os estudantes do ensino à distância tendem a obter piores classificações, a ter menor probabilidade de sucesso nas fases seguintes da sua formação e a maiores taxas de abandono. Ou seja, o ensino à distância aparenta ser mais benéfico para “alunos experientes”, mas parece uma má opção para os alunos que já sentem dificuldades (e que por esta via, muito provavelmente, ficarão ainda mais para trás em relação aos seus pares que frequentarem aulas presenciais). Atenção que estas conclusões são boas pistas para explorar eventuais efeitos em relação aos alunos do ensino básico e secundário, mas não podem ser extrapoladas directamente para esses níveis de ensino.

Impacto do ensino à distância no básico e secundário: o que se sabe?

Num contexto normal, e do ponto de vista da organização do sistema educativo, o ensino à distância tem óbvias vantagens para escolas e para ministérios da Educação. Porquê? Porque poupa nos recursos: implica menor contratação de professores e alivia pressão na lotação dos edifícios escolares para receber mais alunos. Ou seja, é uma forma muito mais barata de providenciar o acesso à escola. A pergunta que se tem de colocar é se há igualmente vantagens (ou, pelo menos, ausência de prejuízo) para os alunos.

A resposta mais directa e correcta é esta: depende. Comecemos pelo lado negativo. A investigação mostra que, no geral, a ausência de interacção directa com o professor é prejudicial à aprendizagem. Ou seja, nesta modalidade, o ensino à distância integral e sem interacção é menos eficaz do que ter aulas presenciais. Mas há um lado positivo fundamental: as abordagens mistas (presencial + ensino à distância) têm apresentado resultados semelhantes às inteiramente presenciais. Portanto, se procura uma primeira certeza, aqui está ela: o elemento-chave é o professor. Se o professor conseguir intervalar sessões presenciais com sessões de ensino à distância (com vídeos, fichas ou outros conteúdos), os alunos não sairão prejudicados pela opção do ensino à distância.

O ensino à distância, quando focado em conteúdos específicos, pode ser uma via de ensino particularmente eficaz, mas em particular para alunos com níveis médios ou elevados

A maior parte dos estudos experimentais (e, por isso, mais fiáveis) concentraram-se na aprendizagem da matemática (ou álgebra) – sobre as outras disciplinas, os dados não são tão robustos, embora também surjam estudos interessantes sobre aprendizagem da língua. Um desses estudos analisou o impacto nos desempenhos a matemática da frequência de cursos online de álgebra para alunos (de nível médio ou alto) do 8.º ano, que assim não teriam esses conteúdos presencialmente (i.e. foi a única disciplina que fizeram fora da escola). O estudo recorreu a mais de 400 alunos em 68 escolas básicas de áreas rurais do Maine e do Vermont, nos EUA. As escolas foram seleccionadas aleatoriamente: metade teria as aulas online (o “grupo de tratamento”), metade teria aulas presenciais do currículo de matemática comum (o “grupo de controlo”). Por fim, os resultados consistiram na comparação, entre grupos de tratamento e controlo, dos desempenhos (avaliados através de testes) e das escolhas dos alunos por disciplinas relacionadas com matemática no ano escolar seguinte.

Os resultados foram animadores para o ensino à distância. Os alunos do grupo de tratamento, que tinham tido as aulas de álgebra online, tiveram melhores desempenhos nos testes de álgebra do que os do grupo de controlo. A diferença foi estatisticamente significativa e equivalente a passar de um percentil de desempenho em álgebra de 50 para um percentil 66. Em relação ao desempenho geral em matemática, não se observaram diferenças relevantes. Outro resultado interessante foi que os alunos que frequentaram a modalidade online tiveram depois maior tendência para escolher formações avançadas com matemática — 51% no grupo de tratamento, 26% no grupo de controlo.

O que retirar deste estudo? Duas ideias. A primeira é que o ensino à distância, quando focado em conteúdos específicos, pode ser uma via de ensino particularmente eficaz, mas em particular para alunos com níveis médios ou elevados (os que fizeram parte deste estudo). A segunda ideia a reter é que, apesar do interesse deste estudo, os alunos no grupo de tratamento continuaram a ter aulas presenciais noutras disciplinas, pelo que o seu isolamento no ensino à distância ficou circunscrito a uma parte (álgebra) de uma disciplina (matemática) — como tal, não se pode extrapolar estes resultados para o ensino integralmente à distância.

Dúvida: então e para os alunos com dificuldades a matemática? Um outro estudo experimental dá boas pistas para responder à questão. Em 17 escolas secundárias de Chicago, nos EUA, os alunos que tinham reprovado a álgebra foram integrados numa “escola de Verão” para recuperação. Após as primeiras aulas presenciais para todos, os alunos foram aleatoriamente divididos em dois grupos: os que teriam as aulas de recuperação online (grupo de tratamento) e os que teriam aulas de recuperação presencialmente e cara a cara (grupo de controlo). Neste estudo, os resultados foram menos positivos: os alunos do online tiveram resultados piores e ficaram com menor probabilidade de passar no curso da escola de Verão (66% de probabilidade contra 78% dos que fizeram aulas presenciais).

As conclusões destes dois estudos parecem contraditórias, mas são complementares, com duas conclusões principais. Primeiro, que o ensino à distância é pior para os alunos com dificuldades quando comparado com a frequência presencial das aulas. Segundo, que o ensino à distância é sobretudo útil para alunos com desempenhos médios ou altos aprofundarem conhecimentos em temas específicos.

Chegados aqui, uma última dúvida: o que concluir quando se alarga o leque de grupos disciplinares e se observa um número muito maior de alunos? Ou seja, em vez de olhar apenas para uma disciplina como matemática ou álgebra, é possível ter uma visão global sobre os efeitos do ensino à distância? Um grupo de investigadores procurou dar uma resposta a essa questão neste estudo recente, recorrendo à base de dados da Florida Virtual School (que é a maior dos EUA). As suas conclusões são mistas.

Em relação aos alunos que frequentam uma disciplina online (ensino à distância) pela primeira vez, os investigadores concluíram que isso aumenta a sua probabilidade de obter nota positiva. No entanto, a médio prazo, pioram a probabilidade de obter bons resultados no geral e, consequentemente, viram diminuir a sua probabilidade de sucesso escolar. Em relação aos alunos que utilizam o ensino à distância para refazer disciplinas que reprovaram anteriormente, os resultados são pequenos, mas positivos. Resultados, portanto, que contrastam ligeiramente com os dois estudos anteriormente referidos, mas que têm abrangência e metodologia diferentes — sendo a metodologia dos dois estudos experimentais muito mais fiável.

Professores e alunos: como se adaptam ao ensino à distância?

Como acima foi já referido, a interacção com um professor é um dos factores decisivos para a aprendizagem. É uma daquelas leis das políticas públicas de Educação: o professor (o seu desempenho, a sua preparação, a sua motivação) tem um papel superlativo para a aprendizagem dos seus alunos. Quando o tema envolve tecnologia e ensino à distância, esse factor mantém validade e os estudos mostram que a interacção cara a cara com um professor continua essencial para a aprendizagem. De resto, os estudos mostram ainda outro aspecto fundamental: à partida, os professores não estão treinados nem preparados para o ensino à distância e, por isso, sentem enormes dificuldades em usar as ferramentas tecnológicas com eficácia. Isso poderá explicar, em parte, os resultados mais frágeis do ensino à distância que acima foram mencionados.

Essa dificuldade dos professores é absolutamente normal. No momento da sua formação inicial, os futuros professores são preparados para desafios em contexto de sala de aula. Ao longo da sua carreira, é na sala de aula que contactam com os seus alunos e desenvolvem as suas estratégias de ensino. Assim, quando confrontados com a necessidade de o fazer à distância, por exemplo através de videoconferência, é apenas expectável que procurem mimetizar as estratégias usadas em sala de aula, quando a tecnologia exige abordagens totalmente distintas. Num estudo que consistiu em entrevistas de profundidade com professores com aulas em ensino à distância, essa falta de preparação ficou exposta com clareza. A mensagem é simples: a eficácia futura do ensino à distância em muito dependerá do investimento na formação dos professores por parte das autoridades públicas.

O desafio começa na satisfação com a experiência de ensino à distância e a consequente motivação dos alunos para aprender.

Se é importante alterar estratégias de ensino para o online, isto significa que está em causa mais do que a mera transmissão de conhecimento. De facto, o desafio começa na satisfação com a experiência de ensino à distância e a consequente motivação dos alunos para aprender. Um estudo sobre essa dimensão vale a pena ser referido. Tendo por base a escola virtual de um estado americano do Midwest, os investigadores analisaram as percepções de 226 alunos e 15 professores sobre as disciplinas que frequentavam, através de inquéritos. Os resultados revelaram o que, de certo modo, seria de esperar: nos casos em que os professores têm responsabilidades administrativas (em vez de pedagógicas), a satisfação diminui para todos. Este é, portanto, um desafio desta via de ensino: manter o estímulo para a aprendizagem e garantir que a interacção entre alunos e professores não desaparece. Os relatos dos professores insistem sucessivamente neste ponto: é particularmente difícil para eles motivar os alunos através do online e à distância.

Esta percepção está alinhada com outro dado que logo no início deste ensaio referimos: a taxa de abandono escolar é mais elevada no ensino à distância do que no “ensino tradicional”. Há quem chame a esta tendência de “défice do ensino à distância”. E vários estabelecimentos de ensino têm adoptado técnicas para atenuar esse défice, garantindo que os seus alunos à distância não desistem dos cursos e os completam com sucesso. Um caso ao nível do ensino superior foi o uso reiterado de “e-mails motivacionais”, ou seja, comunicações regulares que visem manter os estudantes ligados ao curso. Uma experiência na Universidade de Londres, documentada neste artigo académico, constatou que esta abordagem produziu efeitos positivos, embora pequenos (melhoria de apenas 2,3%). Ora, seja através de e-mails motivacionais ou por outras vias digitais, facto é que várias instituições têm apostado nessa estratégia de dar feedback regular e positivo aos alunos do ensino à distância, de modo a assegurar a manutenção do elo. Outras estratégias existem, claro, algumas com sucesso demonstrado. Por exemplo, na Nova Zelândia, uma universidade conseguiu que as taxas de sucesso nos cursos fossem idênticas nas modalidades presencial e à distância. O que fez? Como este case study explica, implementou uma abordagem tripartida, na qual a maior inovação foi introduzir tutores, que fizeram um acompanhamento mais personalizado dos seus alunos. Esta estratégia está perfeitamente alinhada com o que a investigação tem demonstrado: o factor decisivo para o sucesso é o grau de interacção entre os alunos e os professores e, com tutores em diálogo personalizado, a probabilidade de sucesso e satisfação é muito superior.

Acesso à tecnologia: o handicap social e territorial

Comece-se por dizer o óbvio. Ao contrário da frequência presencial de uma escola, o ensino à distância implica custos para as famílias. Primeiro, requer equipamento disponível, nomeadamente computador onde obter e efectuar os exercícios escolares (em alguns casos bastará tablet). Segundo, precisa de uma ligação à internet de banda larga, isto é, com capacidade para a transferência de ficheiros e para a participação em reuniões síncronas com vídeo. Isto tem uma incontornável consequência: há uma desvantagem evidente para as famílias socialmente desfavorecidas, em particular as que tiverem mais crianças em idade escolar. Isto porque, com rendimentos mais baixos, terão provavelmente menor número de equipamentos disponíveis e piores ligações à internet (ou mesmo ausência).

Isto é tanto válido para Portugal como para outros países europeus, sendo os alunos com perfil socioeconómico mais baixo aqueles que, em média, têm piores condições em casa para usar as tecnologias. E, como acima já se referiu, estes alunos também têm pior aproveitamento escolar no ensino à distância do que em contexto escolar presencial. Acontece que, em Portugal, o caso pode ser um pouco mais agudo. Os dados comparados a nível europeu mostram, por exemplo, que Portugal é dos países europeus onde menos cidadãos utilizam a internet diariamente (gráfico 1). Ou seja, somos um dos países onde há ainda desigualdade no acesso à tecnologia.

Nesse sentido, têm sido numerosos e pertinentes os alertas para este problema de desigualdade social, desde logo por parte dos directores de estabelecimentos escolares e das associações de pais. No contexto de emergência em que vivemos actualmente, com alunos forçados a frequentar o ensino à distância por um período de tempo alargado, há que ter esta realidade em mente. Sobretudo porque não houve oportunidade para atenuar os efeitos dessas desigualdades, por exemplo, distribuindo equipamentos às famílias, como algumas autarquias têm feito no âmbito de programas de inovação educativa.

Seja como for, as desigualdades no acesso à tecnologia são muito mais profundas do que apenas sociais. Primeiro, são geracionais. Os mais jovens estão muito mais familiarizados com a tecnologia do que os mais velhos. Em Portugal, isso é relevante face ao envelhecimento do corpo docente: com cerca de 40% dos professores do quadro em vias de entrar para a reforma, o que daqui se depreende é que uma parte muito importante dos professores está numa faixa etária em que a adaptação à tecnologia poderá ser particularmente difícil. Ou seja, quanto mais velho estiver o corpo docente, em média mais difícil será a transição para as ferramentas digitais de ensino.

Segundo, as desigualdades de acesso à tecnologia são também territoriais. É facto que a internet, hoje em dia, cobre o território nacional praticamente sem excepções. Mas isso não significa que todas as residências tenham acesso à internet, muito menos que a sua distribuição seja homogénea. De facto, tendo por base os últimos dados disponíveis da OCDE, Portugal é um dos países europeus onde menos residências têm acesso à internet (gráfico 2) e onde a maioria dos que não têm acesso o justifica por falta de competências para a utilizar: mais de 70% dos que não têm internet em casa alegam falta de capacidade para a usar.

Ainda mais interessante é verificar as diferenças entre contextos rurais e urbanos. Em Portugal, esta diferença territorial é particularmente acentuada. Nas cidades, 83% das residências têm acesso à internet, sendo apenas 63% as residências com internet em áreas rurais (gráfico 3). Este gap de 20 pontos percentuais só é superado pela Grécia. Na grande maioria dos países europeus, não há diferença significativa entre cidades e contextos rurais, fazendo de Portugal, Grécia e Lituânia os países onde essa diferença mais se manifesta.

Haverá sempre quem alegue que são poucos alunos nessas circunstâncias de limitação de acesso ao ensino à distância. Proporcionalmente, isso é verdade. Mas, em número, poderemos estar a falar de mais de 50 mil alunos sem internet em casa, de acordo com os cálculos deste recente artigo de Hugo Reis e Pedro Freitas, a partir dos dados do INE para 2019. Se a estes juntarmos aqueles que não têm equipamento adequado em casa, o número total de alunos que o ensino à distância estará a excluir é muito significativo.

Ou seja, compilando estes vários indicadores, surge a constatação de que o ensino à distância, pelas suas características, é particularmente penalizador para as famílias socialmente desfavorecidas, em particular nas áreas rurais de Portugal. No caso português, de resto, importa assinalar que também para o corpo docente representa um grande desafio, sobretudo por via do seu envelhecimento e eventual dificuldade em assimilar o uso das novas tecnologias. Olhando para o quadro por inteiro, Portugal está numa situação mais difícil do que vários dos seus parceiros europeus.

Três implicações para Portugal, no contexto da pandemia Covid-19

A adesão massiva das comunidades educativas ao ensino à distância foi feita por uma necessidade imprevista, em contexto de emergência, e não por opção. Isso significa que, independentemente dos pontos fortes ou fracos do ensino à distância, esta é a solução possível num período particularmente adverso e exigente. Assim sendo, o objectivo de qualquer reflexão não será tanto o de discutir se a solução é boa ou má, mas sim de como a tornar melhor e mais eficaz. Isto, claro, no pressuposto (cada vez mais provável) de as escolas se manterem encerradas por várias semanas ou até meses.

Sob esse olhar, talvez a maior implicação para Portugal seja a necessidade de formação dos professores para o uso das ferramentas digitais. Esta deverá ser uma prioridade das autoridades públicas, nomeadamente dos serviços do Ministério da Educação. É um desafio particularmente exigente, não só dada a urgência como pelo perfil dos docentes. O envelhecimento dos professores é um obstáculo à mudança e concretamente à adaptação às novas tecnologias. A adaptação não é, apenas, a de preparar aulas por videoconferência, simulando uma tradicional sala de aula. É muito mais: preparar conteúdos para a aprendizagem dos alunos com ferramentas digitais, gerir plataformas digitais e estar em contacto virtual com alunos. Não tendo sido preparados para esses desafios na sua formação inicial, nem em formação contínua, será muito difícil uma adaptação bem sucedida em tempo útil. Tem, pois, de ser lançada uma iniciativa generalizada de formação dos professores. Não há milagres e tudo demora o seu tempo. Mas demorará muito mais tempo sem esse apoio formativo.

Um dos riscos é o de os alunos “desligarem”, caindo numa espécie de situação de abandono escolar. O ensino à distância é particularmente favorável a isso, pelo que as escolas e os professores deverão manter um contacto frequente e motivador com os seus alunos, de modo a manter firme o elo de ligação destes às actividades escolares.

Outra implicação é, na medida do possível, o Ministério da Educação e as autarquias assegurarem que todos os alunos têm condições de equipamento e acesso à internet para aceder ao ensino à distância. Sabendo que o ensino à distância é uma solução que poderá excluir as famílias desfavorecidas, é particularmente necessário acompanhar a situação destas e agir quando necessário, no sentido de evitar que alguns alunos fiquem completamente excluídos do ensino durante meses. Para tal, não sendo razoável apontar a programas de distribuição generalizada de equipamentos (como foram já feitos no passado), os serviços do Ministério da Educação deverão monitorizar com redobrada atenção a situação dos alunos com Acção Social escolar e apoiar pontualmente esses alunos, incluindo com empréstimo de equipamentos. Importa, nesse sentido, assinalar que esta questão permanece ausente dos documentos orientadores do Ministério da Educação até ao momento.

Uma terceira implicação é o esforço que as escolas e os professores deverão fazer para que os seus alunos não se “desliguem”, caindo numa espécie de situação de abandono escolar. O ensino à distância é particularmente favorável a isso, pelo que as escolas e os professores deverão manter um contacto frequente e motivador com os seus alunos, de modo a manter firme o elo de ligação destes às actividades escolares. No mínimo, isso implica e-mails regulares a dar feedback positivo. No máximo, isso poderá implicar as escolas designarem professores para assumir funções de “tutores”. O objectivo seria que estes, em conversas individualizadas, fizessem acompanhamento personalizado aos alunos durante estas semanas (por exemplo, uma vez por semana), discutindo dúvidas e dificuldades.

So what? Cinco pontos-chave sobre a eficácia do ensino à distância

Ponto 1: o ensino à distância raramente é usado de forma integral. Existem muitas ferramentas digitais ao serviço de alunos e professores, mas poucas foram pensadas para um ensino integralmente à distância. A maior parte das ferramentas serve para os professores complementarem o seu trabalho em sala de aula. Assim, em condições normais, o ensino integralmente à distância é útil, sobretudo, para alunos que habitem em áreas remotas, sem escolas por perto. Só em alguns países, com amplo destaque para os EUA, é que o ensino à distância tem maior adesão ou até carácter obrigatório (só para determinadas disciplinas). Na prática, é no ensino superior onde está mais disseminado a nível internacional, e não tanto a nível do ensino básico e secundário.

Ponto 2: há ainda dúvidas sobre a eficácia do ensino à distância, em termos de aprendizagem dos alunos. Mas já se tem boas pistas sobre alguns dos seus efeitos. Os estudos mais fiáveis apontam para que, comparativamente aos alunos que frequentem presencialmente a escola, os alunos do ensino à distância tenham, em média, melhores desempenhos a disciplinas específicas (como álgebra/ matemática). Mas que isso se aplica sobretudo num primeiro momento e se, logo à partida, os alunos forem bons. Com o passar do tempo, os desempenhos podem piorar, assim como a sua probabilidade de sucesso escolar, aumentando a probabilidade de desistência (que as escolas e universidades procuram mitigar com feedbacks frequentes). Como tal, o prejuízo dos alunos que já apresentem dificuldades de aprendizagem é evidente. Estes são os resultados gerais, mas que podem variar em função de outros factores, nomeadamente a interacção com os professores. De qualquer modo, nas condições actuais, o ensino à distância é um fraco substituto do ensino presencial.

Ponto 3: a interacção do professor com o aluno é determinante. É sabido que o papel do professor é o factor mais associado, dentro da escola, à sua probabilidade de sucesso escolar. Ora, no ensino à distância, a tendência mantém-se. Quanto mais frequente e de melhor qualidade for a interacção dos professores com os alunos, melhor a aprendizagem e a motivação. Ou seja, apesar de ser à distância, é importante que os professores não assumam papéis meramente administrativos das plataformas digitais e mantenham contacto frequente com alunos — sendo isso aliás essencial para a satisfação de todos os envolvidos.

Ponto 4: a adaptação dos professores é exigente e demora tempo. Uma utilização eficaz das ferramentas digitais do ensino à distância requer formação e treino, que a larga maioria não teve. Assim, a maior parte dos professores procura reproduzir o que faz em contexto de sala de aula, mas essa abordagem é pouco eficaz e gera pouco estímulo nos alunos. É óbvio que não se pode exigir aos professores, formados para contextos de sala de aula e com uma carreira de anos nesse ambiente, que se adaptem de forma rápida ao ensino à distância. Este é um processo de aprendizagem que demora tempo até se tornar realmente eficaz. Além disso, o factor geracional também conta: para os professores mais velhos o custo da aprendizagem/ adaptação será maior do que para os mais novos.

Ponto 5: o acesso à tecnologia é indispensável e é muito desigual. Há uma clara desvantagem dos alunos socialmente desfavorecidos, na medida em que, em média, terão pior acesso a equipamentos (computadores ou tablets) e internet. Acresce que, apesar de a internet cobrir o território nacional, subsistem diferenças importantes no acesso à internet entre áreas urbanas e áreas rurais, dificultando para estes últimos a utilização do ensino à distância. Ou seja, num contexto nacional, é uma opção que deixará sempre alguns de fora. E esses alguns serão, à partida, os mais pobres, que residem em áreas rurais e têm menor acesso a equipamentos/internet. Perante o desafio de garantir a frequência universal da escolaridade obrigatória, este problema tem de ser urgentemente resolvido.

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