Já antes da pandemia, começou a falar-se em mais competências comportamentais essenciais para a próxima década e uma delas foi “aprender a aprender” e não podia ser mais atual falar nisto. Mas ver a Covid-19 como oportunidade de aprendizagem não soa a cantiga de um qualquer livro duvidoso de autoajuda? Então, que oportunidade há na Covid-19? Não é fácil descortiná-la neste inferno. Mas há muitas coisas que não sabíamos e com as quais chocámos de frente.
Tenho entrevistado muitos profissionais através do meu canal de Youtube e estes são unânimes em afirmar que, por um lado, fomos apanhados desprevenidos, por outro, há várias oportunidades. Como perceber que acabam uns negócios, que prosperam outros – como o gaming para o futebol, numa altura em que o online explodiu; ou que estamos a voltar para casa e que, de tanta pressa, tínhamos esquecido que temos uma família; ou que as entregas de comida aumentaram, ou que o restaurante de luxo NOMA, na Dinamarca, está a servir hambúrgueres; ou que temos de tratar o ambiente de outra forma, viver com menos dívida, atualizar as nossas competências, fazer mais desporto, descansar para recarregar baterias, trabalhar mais a partir de casa, apostar mais no digital; e muitas outras mais.
O cenário atual não é apenas o de “reaprender”, como tenho lido nestes tempos. Isto, para muitos, não é apenas reaprender, é aprender a partir do quilómetro 0, é a adversidade a acordar-nos. E se dominarmos a arte de aprender, pode ser mais fácil. Mas éramos ignorantes? Alguns, sim. Muitos, inconscientemente.
Basta pensarmos no processo evolutivo do homem, o qual se torna mais adaptável precisamente porque cai e erra. Darwin disse que os que sobrevivem e prosperam são os mais adaptáveis, não os mais fortes. O ser humano foi-se tornando mais resistente a novas ameaças, foram sendo criados caminhos neuronais de preservação e sobrevivência à adversidade e até características corporais que se transformam, tornando o ser mais resistente, precisamente porque caiu, aprendeu, resistiu. Mas as ameaças são tanto do tempo do homo erectus, como de hoje. E em relação à Covid-19, mais Covid virão. E esta já nos está a dar muita informação e preparação. Quando vier a próxima, saberemos mais, ou estaremos na mesma?
Assim, o caminho para a resiliência, que é regressar ao estado anterior à adversidade, é cair, não há volta a dar. Mas não somos naturalmente atraídos por problemas. A tendência natural é evitá-los. Se os conseguirmos ver como oportunidades, no entanto, pode ser uma grande chance para o crescimento e para uma felicidade mais plena e consciente.
Este caminho não pode ser feito sozinho e é aqui que a comunidade desempenha um papel importante. Não só ela nos pode amparar na queda, como apresentar-nos oportunidades. Para além do nosso esforço, a sorte também conta e esta aumenta consoante a empatia dos outros e das comunidades que se apoiam. Por exemplo, na procura de emprego: uma pessoa pode ter todas as competências, mas tanto o encorajamento como a revelação de oportunidades serão uma ajuda real; ou de um mentor, ou um amigo, com quem conversar em tempos que nos obrigam a abandonar defesas e a pedir ajuda.
A especialista Erika Andersen encontrou quatro características comuns em pessoas com grande capacidade de aprendizagem e resiliência: “Aspiration, self-awareness, curiosity, and vulnerability. They truly want to understand and master new skills; they see themselves very clearly; they constantly think of and ask good questions; and they tolerate their own mistakes as they move up the learning curve.”
Resumo do artigo: aspiração é motivação – é bom ter uma motivação para aprender. Seja para ganhar mais dinheiro, encontrar namorada, enfrentar a próxima crise, dar de comer aos filhos, melhorar os abdominais, melhorar relações. “Self-awareness” significa autoconsciência. Tenho noção de que preciso de aprender? Conheço-me verdadeiramente? Ou tudo não passa de pressão externa e eu já sei tudo? Não posso saber tudo e, se estou na Covid, todos estamos nisto. Sou parte integrante da missão de sair disto. Seja continuar a fazer o meu trabalho, usar máscara, ajudar alguém que está só. Em terceiro lugar, “curiosidade”. É querer conhecer mais, ter entusiasmo em descobrir. E, por último, o ser capaz de assumir a sua própria fragilidade, a capacidade de admitir ignorância ou erro, um erro que, muitas vezes, não é, sequer, consciente.
Tendo em conta a rapidez e a incerteza cada vez maior em que vivemos, este “aprender a aprender” aplica-se a outros desafios da nossa era. As mudanças tecnológicas, as batalhas culturais. Saberei do que se está a falar, ou opino o que ouço nos media, os “soundbytes”? Já me preocupei em investigar e em perceber o que está em causa?
Se eu não souber aprender, ficarei estagnado, caído no chão, ressentido, serei uma vítima e não um protagonista da minha vida, nem uma ajuda válida para os outros; muitas vezes, o culpado é a pandemia, o confinamento, a empresa, o chefe, o investidor, o acionista, o fornecedor. Ou a primeira pessoa que está ao nosso lado. O que estava correto ontem, amanhã já não está, mas também pode ser entusiasmante. Afinal, não foi o homem feito para descobrir?
Aprender é visitar o desconhecido. O desconhecido não é confortável, mas este processo de saída da zona de conforto pode passar de desconfortável a confortável. Como diz Jordan Peterson, em “Maps of Meaning”, é mapear território desconhecido e torná-lo conhecido. Por isso é que aprender coisas novas é uma forma de aumentar a resiliência.
O objetivo é, claramente, chegar à prosperidade. Mas para lá chegar, é inevitável saber enfrentar os problemas, o que também faz parte do caminho. A solução está dentro de nós e dos outros, sem os quais não vivemos.