Para muitos a Europa ainda se encontra envolta numa névoa densa, onde a incerteza política condiciona o crescimento económico, a atitude dos Bancos Centrais e o comportamento dos mercados financeiros. Mas apesar das assimetrias entre os riscos e os retornos que esta névoa adensa, não é razão para nos deixarmos cair numa cilada de exageros. Afinal, o pessimismo militante tolda muitas vezes um juízo isento sobre as perspectivas económicas da região e o processo em curso da normalização da política monetária.

O crescimento do populismo e o eurocepticismo na Europa têm de ser devidamente enquadrados com o tema da desigualdade, para o qual os maiores contribuidores não foram só os arautos do pretenso capitalismo selvagem, mas foram também os Estados corruptos e desorganizados.

Num ano em que a moeda única perfaz 20 anos de existência, são muitas as peripécias políticas com que nos deparamos, mas prevalece uma sensação de sobrevalorização do risco político. Na verdade, o eurocepticismo até se tem moderado, a julgar pela volta que ocorreu na Grécia, pelo que se tem visto em Portugal e mais recentemente em Itália. Por ventura, a trágica cruzada do Brexit também tem ajudado…

Não é novidade para ninguém que ainda persistem muitas debilidades na Europa, onde facilmente percepciona-se o impasse da construção do projecto europeu. A suposta promessa de maior dinâmica do eixo franco-alemão para a revitalização do projecto europeu, encontra-se suspensa e esfumou-se por entre as questões políticas de natureza doméstica nos dois países. No entanto, temos de ter presente que nos últimos anos muito foi feito pela Europa em matéria de integração económica e financeira. Provavelmente se isso não tivesse ocorrido, hoje não estaríamos a discutir o populismo arramalhado da direita ou o populismo desarranjado da esquerda. Seguramente estaríamos a discutir no seio de alguns estados europeus, o flagelo de um populismo arraigado que tão vergonhosamente triunfou na Venezuela.

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Mas colocando de parte todo o frenesim das questões políticas, que certamente servem para esconder e desculpar muita incompetência, quem porventura nos últimos anos mais contribuiu para a solidificação do projecto europeu foi o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. Ninguém como ele foi capaz de entender o problema macro do endividamento, da fragmentação e da desigualdade financeira, forçando a Zona a Euro a uma efectiva partilha de riscos. Basta pensar no significado da dimensão de um balanço de 4,7 biliões de Euros, equivalente a 40,7% do PIB da Zona Euro, que é detido por uma entidade “virtual” que dá pelo nome de Banco Central Europeu…

É neste contexto e não em outros, que devemos enquadrar este último ano do actual presidente do BCE e entender o que esperar sobre os próximos passos da normalização da política monetária na Europa.

Em primeiro lugar, há que ter conta que apesar de um maior abrandamento económico do que o previsto, parece excessivo o desassossego dos analistas, tanto mais que parece plausível que a intensidade da desaceleração do último trimestre na Europa, comece a perder alguma intensidade neste trimestre. É previsível que comecemos a assistir a uma estabilização da produção industrial na Alemanha e que indubitavelmente vamos assistir a um comportamento sustentado do consumo privado, alicerçado na subida relevante dos salários que este ano ocorreu nos diferentes Estados Membros.

Em segundo lugar, passados praticamente 5 anos de taxas de juro negativas e com a taxa de inflação core estável na vizinhança de 1%, parece improvável que o BCE não suba a taxa de juro de depósito este ano. Não nos podemos esquecer que quando as taxas de juro vieram em junho de 2014 para terreno negativo, o crédito às famílias e às empresas, cresciam a taxas homólogas negativas de -0,7% e -2,6%, respectivamente. Atualmente o crédito às famílias cresce a uma taxa de 3% enquanto às empresas cresce a 2,8%.

Em terceiro lugar, em face das necessidades de financiamento global da economia europeia em 2019 de cerca de 3 biliões, o BCE deverá enveredar por anunciar novas operações de financiamento de longo prazo (LTRO’s), garantido assim uma ampla liquidez no sistema financeiro e mantendo favoráveis as condições creditícias na economia. Na prática, Mario Draghi adoptará uma postura monetária salomónica, pela qual, uma subida da taxa de depósito irá favorecer os bancos “core” com excesso de reservas, em contrapartida, a introdução de novos LTRO`s irá facilitar o financiamento dos bancos da “periferia”.

Em quarto lugar, parece de senso comum que o prolongamento indefinido de condições monetárias perversas, como taxas de juro negativas, é susceptível de provocar danos permanentes na poupança, com efeitos danosos no crescimento potencial de uma economia excessivamente endividada e demograficamente envelhecida.

Por fim, para aqueles que, depois de tudo isto, ainda acreditam que este ano as taxas de juro na Europa não sobem, não se iludam. Afinal, quem realmente no seu perfeito juízo poderia acreditar que Mário Draghi iria deixar em mãos alheias o seu maior legado, ou seja, o anúncio do fim de um ciclo monetário indelével que ele tão arrojadamente iniciou?

Arrivederci, Mario!

Economista