Esta semana, dia 26 de novembro de 2022, completam-se sete anos de liderança de António Costa no Governo de Portugal. O que é que há para mostrar? O controlo das contas públicas seguindo uma estratégia, nos primeiros anos, que estamos a pagar com a degradação dos serviços públicos, como várias vezes se foi alertando neste espaço. Em sete anos o país tinha mudado com Aníbal Cavaco Silva e em menos do que isso, nos seus primeiros quatro anos, com José Sócrates. O que impede António Costa de fazer as designadas reformas estruturais, mínimas que sejam, é um mistério.

O PS e o Governo parecem ter-se viciado em atirar as culpas, de tudo, para os outros, ao mesmo tempo que vão disfarçando os problemas com a conivência do Presidente da República. Até à pandemia, em 2020, a culpa de tudo era de Pedro Passos Coelho. Depois passou a variar entre Passos Coelho e a pandemia. Qualquer crítica recebia invariavelmente como resposta: não reparou que houve uma pandemia? A seguir, no momento actual, balançamos entre a culpa é do Passos, a culpa é da pandemia ou a culpa é da guerra. Ou, na versão mais recente, a oposição não aceita a maioria absoluta e ataca o Governo.

O Governo e o PS viciaram-se em responsabilizar tudo e todos e têm-se esquecido de governar a olhar para o médio prazo, exatamente aquilo que a maioria no Parlamento lhes permite e que mais poderia beneficiar o país. E, numa espécie de horror ao vazio da estratégia, o espaço público vai-se enchendo de casos, em geral graves, que vão esgotando as energias de António Costa, que se anda a limitar a correr atrás do prejuízo.

Claro que temos assistido a algumas medidas, regra geral de curto prazo e para fazer face à conjuntura. E há também ministros que têm assumido compromissos estruturais, mas são poucos.

Comecemos pela conjuntura. Houve o acordo de rendimentos, protagonizado pelos ministros do Trabalho, da Economia e das Finanças. Houve o acordo para a função pública liderado pela ministra Mariana Vieira da Silva. Temos um Orçamento com Fernando Medina a fazer um projeto com responsabilidade financeira, acompanhado por um discurso coerente e racional.

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Na frente estrutural, o ministro que nos promete mais é o das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Se conseguir concretizar o que apresenta teremos finalmente, e após décadas de milhões anunciados, uma ferrovia a sério. Falta-lhe olhar para os transportes públicos, fundamentais para que se consiga combater as alterações climáticas. Na Saúde a expectativa também é grande, quer por termos um ministro que conhece o sector e com experiência política, quer pela escolha, unanimemente considerada como muito competente, de Fernando Araújo para CEO do SNS que, espera-se, queira dizer mais Sistema de Saúde do que Serviço Nacional de Saúde, focado nas pessoas.

Mas tudo isto sabe a pouco. Uma das mudanças que mais poderia contribuir para um aumento da produtividade está relacionada com a simplificação administrativa. Por incrível que pareça, o Simplex, de que António Costa foi um dos pais, não parece fazer parte das preocupações. Temos um grave problema de excesso de burocracia que até conseguimos que contaminasse a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência. Há um compromisso, até enquadrado pelo acordo de rendimentos, de combater a burocracia, mas nada acontece. A digitalização, que tem recursos do PRR, devia ser aproveitada para simplificar processos.

Esta simplificação administrativa exigia igualmente que passássemos de uma sociedade com excesso de papéis para quase tudo o que se quer fazer, de uma obra a uma empresa, passando pela candidatura a incentivos, para uma organização em que as regras prévias seriam mínimas e a sua violação se traduzisse em violentas sanções. Mas, para isso, era preciso não só simplificar as regras, mas, e especialmente, era urgente que a Justiça funcionasse. Mas a ministra da Justiça, esta como a anterior, parece que não existe. Há um problema grave, há muito diagnosticado, nos tribunais administrativos, mas nada acontece.

Na pasta da ministra do Trabalho está um dos nossos maiores problemas a longo prazo, as pensões. Aqui temos o pior exemplo da forma como os governos de António Costa enfrentam os problemas: fingem que não existem e tentam encontrar um qualquer truque para o resolver. Não vai ser possível continuar assim. Mas também nesta pasta tínhamos aqui uma oportunidade para olhar para todos os apoios sociais, perceber se estão a cumprir a sua função e dar-lhes racionalidade.

Na Educação prometem-nos agora acabar com o caos das colocações de professores com a solução óbvia e sensata da descentralização. Mas há muito a fazer na qualificação, na valorização dos professores e até na disciplina dentro do espaço escolar. Quando falamos com os professores o que detetamos é a dificuldade em interagir com as famílias que com frequência os desrespeitam.

Na segurança interna continuamos a ter problemas de falta de recursos, mas também de instalações degradadas e um sentimento de falta de reconhecimento, para o qual obviamente também não contribui a forma como alguns polícias se comportam.

Na frente ambiental, a falta de ambição e a adoção de medidas que contradizem os objetivos é grande – como o desconto no ISP ou, agora, com a recusa em aumentar as portagens no montante previsto na lei. Se excetuarmos o que foi feito para mitigar a crise energética, nomeadamente o acordo ibérico, pouco mais temos. Sim, os tempos não permitem que se use o “pau”, ou seja, taxas, para desincentivar o consumo de combustíveis fósseis. Mas o ministro do Ambiente podia ser o arauto do transporte público e, em conjunto com o seu colega das Infraestruturas, pressionar as autarquias e as empresas do sector a prestarem um melhor serviço. Estas iniciativas contribuíriam para reduzir a nossa pegada de carbono e para reduzir as desigualdades.

Uma das possíveis explicações para as dificuldades do Governo em melhorar estruturalmente o país pode estar relacionada com a principal mudança que é necessário concretizar. É na falta de organização e na má distribuição dos recursos que está um dos nossos maiores problemas, já não é na falta de estradas ou outras infraestruturas. Nos serviços públicos, dos hospitais às escolas, passando pelos transportes públicos, o que detectamos é falta de liderança e gestão, com os recursos, financeiros e humanos, colocados onde menos se precisa deles. Um dos casos mais dramático está nas autarquias, onde vemos desperdiçar-se dinheiro quando serviços básicos como a saúde ou a segurança têm falta deles. As pessoas estão lá e são profissionais, como aliás se viu na pandemia.

Se o problema for desorganização e excesso de dinheiro nuns sítios, faltando recursos nas funções fundamentais do Estado, muito dificilmente teremos mudanças para melhor. Porque a desorganização não se corrige facilmente e tirar dinheiro de onde ele não é preciso também não é fácil. Podemos por isso estar condenados a viver esta maioria absoluta a ouvir que a culpa é do Passos, da pandemia, da guerra, de perseguições ao PS e tudo o mais que se possa imaginar. Quando na realidade o Governo tem sido apenas vítima de si próprio, sendo no mínimo triste que se desperdice desta forma a maioria absoluta, fazendo de nós os principais sacrificados.