Em 1970, o Prof. Chester Pierce, psiquiatra de Harvard, descreveu as microagressões como sendo pequenas e subtis ofensas quotidianas, comentários ou ações que, intencionalmente ou não, correspondiam a uma falta de respeito ou desdém dirigidos a indivíduos de grupos marginalizados, especialmente em relação à raça. Neste contexto, essas ações ou comentários, teriam um impacto cumulativo negativo significativo nas vítimas, contribuindo para um ambiente de exclusão e inferiorização.
Nos dias que correm, este conceito foi levado ao extremo. Presentemente, basta que uma única pessoa se sinta agredida numa ofensa verbal para que se proíba qualquer palavra livremente proferida, habitualmente associadas à raça, género, identidade sexual, etc.
Este artigo vem a propósito de André Ventura ter referido na AR que, apesar de os turcos não serem propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo, terem conseguido construir o aeroporto de Istambul em cinco anos; ou seja, de forma mais célere do que o governo prevê a construção do novo aeroporto em Alcochete, que é de dez anos.
Estas palavras constituem uma microagressão aos turcos? Não creio. Apesar de poder ter sido uma expressão pouco feliz, todos nós, na oralidade, por vezes, usamos exemplos menos bons. A grande preocupação diz respeito ao clima “paranoide” que se instalou na sociedade e que entra em conflito com a liberdade de expressão.
Existe um proselitismo militante do politicamente correto que divide a realidade em dois polos que estão em permanente tensão: “as vítimas” e “os opressores”. Esta é uma doença coletiva que destrói a capacidade das pessoas pensarem livremente e racionalmente. Por conseguinte, emergiu um novo moralismo que determina o certo e o errado, o bom e o mau, num radicalismo que não oferece espaço para a ponderação. Por todo o lado, proliferam uns “polícias do pensamento”, sempre atentos, com uma atuação comparável à dos guardas vermelhos durante a Revolução Cultural chinesa.
É muito difícil debater com argumentos aquilo que se designa por politicamente correto porque há de imediato uma atitude de desqualificação do interlocutor (com epítetos do tipo radical, fóbico, fascista, etc.,). Subsiste um clima intimidatório. Aqueles que não aceitam esta visão são denunciados nas redes sociais, na comunicação social e, sempre que possível, são despedidos dos seus empregos ou prejudicados nas suas carreiras. O hábito de cancelar as pessoas, que pensam de forma diferente, é um dos aspetos mais deploráveis desta agenda woke que é intolerante e antidemocrática.
Fui um dos coordenadores e autores do livro “Identidade e Família”. O enorme clamor e a revolta que a publicação desta obra suscitou, nalgumas pessoas (muitas nem sequer leram o livro), são provas inequívocas de que existe uma falta de tolerância no nosso país.
A nossa identidade pessoal – o que somos, como pensamos, e aquilo que acreditamos –está intimamente ligada à experiência da nossa vida familiar. O principal objetivo do livro foi elogiar a família como instituição, como a “célula básica da sociedade”. O ataque à família é uma estratégia política comum a todas as tiranias. Fragilizar a família é comprometer a estabilidade social e a promoção de um bem comum. Não é racional, numa sociedade democrática, observar os enormes engulhos causados pela publicação deste livro, já que o elogio à família natural não significa per se uma atitude discriminatória relativamente a outros modelos de família.
Criar uma sociedade que absolutiza as microagressões é criar uma sociedade de pensamento único, sem liberdade e intolerante. Estamos a resvalar para um ambiente social psicótico, dominado por um delírio persecutório que inventa agressores e congemina perseguições inexistentes, tudo para justificar esta autêntica loucura em que o nosso país mergulhou: um novo puritanismo, radical, irracional e antidemocrático.