Com as alterações promovidas ao Código dos Contratos Públicos e com a aprovação de um conjunto de medidas especiais de contratação pública, pretendeu o nosso legislador regular, essencialmente, a aplicação de um dos maiores investimentos europeus alguma vez realizados em Portugal – a já belicamente designada “bazuca europeia”.

Com efeito, a aprovação das referidas “medidas especiais de contratação pública” revela evidentes preocupações de flexibilização e simplificação na tramitação de procedimentos que tenham em vista a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nos seus três pilares de atuação – resiliência, transição climática e transição digital – e, bem assim, nas áreas da saúde, apoio social e habilitação.

Concretamente, este novo regime é responsável pela liberalização no acesso a procedimentos menos concorrenciais com vista à formação de contratos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus. Em breves traços, assistimos à criação de um regime especial, dito “simplificado”, que se apresenta menos burocrático e mais flexível face ao regime geral a cumprir pelas entidades públicas na tramitação de procedimentos de contratação, com vista à celebração de contratos públicos de montante bem mais significativo que o permitido pelo regime geral do Código dos Contratos Públicos.

A título de exemplo, veja-se o recém-criado procedimento de “consulta prévia simplificada”, com consulta a cinco operadores económicos, passível de ser adotado para adjudicação de contratos cujo valor atinja o montante máximo de 214 mil euros, no caso da aquisição de serviços e aquisição ou locação de bens, e de 750 mil euros, no caso dos contratos de empreitada de obras públicas.

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Por outro lado, fica a entidade pública desonerada de determinadas obrigações ao nível da fundamentação, sendo-lhe concedida uma maior liberdade na escolha das entidades a convidar, bem como na relevação dos impedimentos dos concorrentes.

Todavia, e sem prejuízo dos panegíricos de que vem sendo alvo este regime – intuindo, desde já, o papel essencial que o mesmo desempenhará no aumento da nossa despesa pública –, não se olvida que o mesmo suscita legítimas preocupações de controlo (levantadas, em tempos, pelo próprio Presidente da República), impondo a adoção de medidas de fiscalização compagináveis com as preocupações de celeridade e flexibilização que estas regras legais espelham.

Nessa senda, procurando acautelar tais preocupações, pugnou o legislador por determinar a remessa obrigatória de todos estes contratos, independentemente do valor dos mesmos, para o Tribunal de Contas, cuja tarefa de fiscalização (prévia ou concomitante) se destinaria a prevenir o alarme social em torno da utilização das verbas em questão. Confesso-me expectante e, talvez, algo cético com os efeitos de este método de controlo, atentas as nefastas consequências previstas para os incumprimentos (muitas vezes, involuntários) de tão rigorosos regimes legais, que pode conduzir à responsabilização financeira dos intervenientes, assim como à sua destituição dos cargos públicos que ocupam.

Igualmente sintomática desta necessidade de controlo e fiscalização é a criação por este mesmo diploma, de uma Comissão Independente, a qual, sem prejuízo das atribuições próprias do Tribunal de Contas, tem por missão acompanhar e fiscalizar não apenas a formação e tramitação dos procedimentos adotados ao abrigo deste regime especial, como também a celebração e a execução dos respetivos contratos.

Como facilmente se alcança e nem seria difícil de intuir, a divulgação e implementação deste regime, o seu impacto iminente na economia portuguesa e as exigências que o mesmo impõe ao nível da sua implementação e controlo evidenciam uma necessidade patente de formação especializada como instrumento para capacitar todos os futuros intervenientes neste impulso económico sem precedentes. Pois, diz-nos a história e a experiência, que assistiremos a uma (nova) oportunidade única para o desenvolvimento do país, enquanto potência económica, mas, sobretudo, enquanto civilização.