A campanha para as presidenciais de dia 24 Janeiro tem sido quase monopolizada por um candidato: André Ventura. Creio, assim, que o principal objectivo deste com a candidatura à Presidência da República está a ser plenamente atingido. Uma mediatização intensa da sua figura.

A classificação no espectro político do partido Chega, até no meio académico, tem sido bastante controversa. Basta verificar o que aconteceu aquando da publicação do livro de Riccardo Marchi. Apesar disso, faz todo o sentido colocá-lo na categoria TAN, teorizada por Hooghe e Marks. O trinómio “Tradicional/Autoritário/Nacionalista” caracterizado por partidos reaccionários, com foco anti-imigração, auto-denominados anti-sistema, com o papel focado no carisma do líder e fraca organização. Características estas, familiares quando pensamos no Chega, até porque para já é difícil pensar na existência do partido sem André Ventura.

O que verificámos por estes dias é que facilmente recaímos no paradoxo da tolerância de Karl Popper. Até que ponto, em democracia, devemos ser tolerantes? Onde deverá estar a fronteira entre o aceitável e o não aceitável? Estas perguntas decerto terão resposta difícil. Infelizmente o que temos experienciado ultimamente, é que a cada rolo de críticas a André Ventura, este consegue concretizar a sua agenda.

Ora vejamos: não será contraproducente a candidata Marisa Matias afirmar que, se fosse Presidente da República, não daria posse a um governo com o Chega? Bem se viu a forma como André Ventura respondeu e virou o jogo a seu favor, como que a afirmar: “O Democrata aqui sou eu.” É impressionante,, por vezes, assistir à falta de arrojo dos candidatos em aparecer no confronto com a simples estratégia de desconstruir ideias com factos palpáveis.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não seria, de facto, mais produtivo, quando Ventura fala do problema das comunidades ciganas e da subsidiodependência, explicar que só 3,8 % da população de etnia cigana beneficia do RSI? Evidenciar a incapacidade de explicar como ambiciona acabar com a corrupção ou destruir a vertente retórica da diminuição do número de deputados na assembleia? Sendo estes apenas alguns exemplos, argumentos como estes, têm sido raramente usados para desconstruir ideias falsas, sendo muitas vezes a resposta na mesma moeda na qual Ventura regozija.

Será tão difícil admitir que existem problemas com todas as comunidades, incluindo aquela que o líder do Chega tanto defende? Ou é apenas politicamente correcto não o admitir? Salvo raras excepções, os debates presidenciais têm sido mais um chorrilho de insultos do que um debate de ideias, nem parecendo que está em disputa o mais alto cargo da nação.

O mais preocupante é o facto dos políticos denotarem uma incapacidade gritante em lidar com o seu adversário, atirando apenas como resposta chavões gastos e cansados, que ao contrário de travarem, apenas mobilizam e aceleram a retórica de André Ventura. Infelizmente, raramente têm conseguido atacar os seus pontos fracos, que são a ausência de real conteúdo, contradições, frases feitas e slogans catch-all.

A diabolização do partido Chega e de André Ventura feita pelos políticos, comentadores e jornalistas claramente não está a resultar. É fácil concluir que a reportagem da SIC sobre os meandros do seu partido, em tempo de campanha presidencial, não foi de todo favorável, levantando questões na opinião pública sobre as razões de o fazerem agora ou de não fazerem o mesmo em relação aos outros partidos.

Não podemos ficar encarcerados na nossa máquina de experiências de Nozick. É necessário aceitar que a excecionalidade centrista portuguesa acabou, arregaçar as mangas e ir ao combate político com objectividade, ideias e factos. Nunca será tarde demais. Como disse Sérgio Sousa Pinto, é necessário conversar com os eleitores do Chega, perceber o porquê da sua posição e da sua revolta. Enquanto discutimos ideologias, quem é bom ou mau, a população cola-se ao discurso que mais parece compreender a sua angústia.

É verdade que existem mais perguntas do que respostas, mas como as pedras coloridas de Vitorino Silva, devemos chegar a bom mar e não deixar que este estranho ódio seja espuma que nos cegue.