1Regressado do Verão, o país político está a discutir intensamente um tema que, até há uns meses, parecia implausível: as presidenciais de 2026. Portugal é um país estranho. No país que escapou por pouco à ditadura do proletariado, mas que vive sob a égide da ditadura do comentariado, parafraseando uma frase feliz de Durão Barroso na Universidade do PSD, fazer das presidenciais, em Setembro de 2023, um tema relevante é, no mínimo, curioso. Como parte integrante do comentariado, não me faço de rogado e aceito, portanto, o repto de lançar mais achas para a fogueira sobre os candidatos que se perfilam.

2O início tão antecipado do debate presidencial deveria fazer Marcelo Rebelo de Sousa reflectir sobre o seu mandato enquanto presidente. Terá o actual presidente esvaziado de tal forma a função – tanto do ponto simbólico quanto material – que o seu mandato é percepcionado por toda a gente como tendo, na prática, terminado? Nunca antes na história da democracia Portuguesa o debate sobre o sucessor de um presidente da república em funções começou tão cedo. É certo que, devido à enorme quantidade de pré-candidatos que se perfilam, é natural que alguns destes tentem posicionar-se o mais rápido possível para condicionar o jogo na sua área política. Contudo, é também verdade que, depois de meses a sofrer ameaças mais ou menos veladas de dissolução, António Costa mostrou a Marcelo Rebelo de Sousa que o poder da maioria absoluta não é em vão. A inacção do presidente no caso Galamba tornou-o, na prática, para efeitos consequentes, para além de vetos retóricos como o caso da habitação, um “lame duck”.

3Existe, claro, ainda um outro motivo para a urgência de muitos candidatos em marcar território. Para a geração que começou a fazer política depois do 25 de Abril e no Cavaquismo, as eleições de 2026 serão a sua derradeira oportunidade histórica. No ciclo eleitoral seguinte, que iniciar-se-á em 2036, muito deles estarão já retirados da vida política ou do comentariado, o que, em Portugal, e retornando à frase de Durão Barroso, é quase uma metonímia.

4Os candidatos que se perfilam não são inspiradores e, de resto, demonstram bem a degradação da qualidade da política em Portugal. Há várias críticas a tecer. Em primeiro lugar, a crítica mais óbvia: a absoluta ausência de equidade de género nas candidaturas que podemos considerar viáveis. A democracia Portuguesa conheceu avanços extraordinários ao longo dos últimos cinquenta anos, muitos deles para melhor. No entanto, nas eleições presidenciais de 2026 não se perfila nenhuma mulher com hipóteses reais de chegar a Belém. E isto não é por ausência de candidatas viáveis ou com ambição. É, isso sim, fruto de um conjunto de estruturas de poder e partidárias que continuam, em grande medida, a ser dominadas, especialmente na escolha de quem concorrerá a um cargo como a presidência, por velhas elites. Seria muitíssimo importante que, no ano em que se celebrarão os cinquenta anos da Constituição e da primeira eleição presidencial, houvesse uma candidata forte, viável e que pudesse ter hipóteses reais de chegar a Belém.

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5Em segundo lugar, a importância excessiva da televisão na criação de candidatos a cargos políticos. A infeliz experiência de Marcelo Rebelo de Sousa, que chegou a Belém depois de passar anos na televisão a fazer campanha eleitoral opinando sobre todos os temas sem nenhuma verdadeiramente se comprometer com nenhum, criou um precedente grave dando um sinal para todos os candidatos futuros. Ao invés de fazerem política, tomarem partido, construírem carreiras, a campanha bem-sucedida de Marcelo mostrou que a criação de uma relação puramente emocional com os eleitores, baseado num suposto conhecimento do candidato vindo da familiaridade da sua entrada semanal na casa das pessoas através de comentário político na televisão, funciona.

6Marques Mendes ou Paulo Portas são os exemplos acabados daquilo que podemos chamar a estratégia Marcelo. Aparecem semanalmente na casa dos Portugueses. A televisão dá-lhes não só notoriedade no seio da classe média que vota, mas, no caso de Paulo Portas, torna-o mais palatável depois de ter ficado associado aos anos do triunvirato e ao governo de Passos Coelho. Apesar da direita à direita do PSD aparentemente não ter percebido que Portas, e o seu momento irrevogável, foi o início do fim do CDS e das raízes longínquas do aparecimento da direita radical, Portas parece ainda sonhar com um cenário 1986, em que Cavaco decidiu apoiar alguém de fora do PSD. Quanto a Marques Mendes, como ele próprio já o reconheceu numa entrevista às Três da Manhã da RR, é apenas um ersatz de Marcelo Rebelo de Sousa. Daí não passará.

7Do lado esquerdo do espectro, dependendo como correr o fim do seu mandato, penso que António Costa ainda não é uma carta fora do baralho. Poderá concorrer a Belém. No entanto, as movimentações por parte de Mário Centeno, que parece ter ambições políticas em Belém, são claras. Infelizmente, na sequência de várias intervenções infelizes sobre o governo de Costa, nas quais não se percebe onde fala o governador do Banco de Portugal ou o ex-ministro, Centeno parece agora utilizar a plataforma institucional do Banco para começar lentamente a sua campanha. Esta semana, Centeno utilizou de forma muito pouco recomendável o site oficial do Banco de Portugal para escrever um artigo de opinião – porque é disto que se trata, na prática — intitulado “Encruzilhadas de Políticas”. No dito artigo, Centeno tece um conjunto de considerações de índole partidária, não alicerçadas em dados. Por exemplo, o governador do Banco de Portugal afirma que o governo de Costa “investiu na educação”, quando todos os dados mostram uma carestia de investimento estruturante em educação básica e superior. Mais, Centeno afirma ainda que “estamos a acumular e a reter capital humano qualificado”, dando a entender que os dados existentes sobre a enorme vaga de emigração qualificada que assola Portugal estão incorrectos. Um relatório produzido por Rui Pena Pires e colegas, especialistas em emigração do insuspeito ISCTE, mostra que, apenas em 2021, terão emigrado 60 mil Portugueses. O espírito do texto de Centeno é quase um programa político quando este afirma que Portugal “não está destinado a qualificações que muitos pensavam ser endemicamente reduzidas, nem à emigração.”

8Está, assim, lançada a corrida a Belém em 2026. Penso que será uma das campanhas mais incertas, divertidas e, ao mesmo tempo, tristes que viveremos. Mostrará bem a decadência do país a que o Dr. Costa e o Prof. Marcelo conduziram Portugal.