A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas veio expor a parcialidade de muitos comentadores da nossa comunicação social, revelando a necessidade de refletir sobre o tipo de análise política que predomina atualmente. Embora existam exceções, vale a pena referir algumas “qualidades” que têm sido bastante valorizadas no comentário político, as quais tendem a privilegiar o espetáculo e a polarização em detrimento da profundidade e da imparcialidade.

A primeira qualidade de um bom comentador político é não ter dúvidas e assumir que raramente se engana, demonstrando uma segurança inabalável. Num mundo complexo e cheio de subtilezas, o comentador da moda apresenta as suas opiniões com uma certeza quase dogmática. Ele não tem dúvidas, e se por acaso se engana, esse erro é rapidamente explicado por uma teoria da conspiração, evocando, por exemplo, a manipulação da opinião pública, através de um algoritmo viciado de uma rede social. Esta segurança narcísica transmite confiança ao público, que vê na figura do comentador uma âncora de estabilidade e verdade absoluta.

O bom comentador político é aquele que não foge ao confronto, que procura ativamente o debate aceso, transformando as trocas de opinião num combate de gladiadores em que “se morre ou se mata”. O seu objetivo não é tanto o esclarecimento, mas sim a vitória, marcada pela humilhação do oponente e pelo aplauso do público. Esta postura combativa garante audiência e relevância mediática. Ao transformar o debate num espetáculo circense, o comentador político cumpre o papel de entreter, algo que muitas vezes parece sobrepor-se à função informativa.

Num ambiente onde a polarização domina o discurso, o comentador político eloquente sabe recorrer a um arsenal de termos destinados a desqualificar a opinião contrária. “Fóbico” é um desses epítetos que, quando usado de forma estratégica, é particularmente eficaz. Qualquer crítica ou desacordo pode ser rapidamente categorizado como “fobia”: xenofobia, islamofobia, transfobia, etc. Este estratagema retórico permite ao comentador político desviar-se da substância da discussão, focando-se antes em desqualificar o adversário. Afinal, se o outro lado é “fóbico”, perde a sua legitimidade, e o público é levado a ver tal opinião como intolerante e retrógrada.

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O comentador político exemplar é um verdadeiro sábio dos dias modernos, opinando sobre qualquer assunto, desde política externa, saúde, educação, economia, até às alterações climáticas. O seu conhecimento parece ser ilimitado, e raramente se deixa intimidar pela complexidade de um tema. Esta versatilidade é fundamental para garantir presença constante nos meios de comunicação, onde a quantidade de intervenções é preferida à qualidade e autoridade no assunto a opinar.

Outra qualidade inerente ao bom comentador político é o seu instinto pedagógico. Ele não apenas expõe as suas opiniões, mas assume também o papel de educador do povo, guiando os telespectadores ou ouvintes na interpretação do mundo. A sua voz é paternal, profética e orientadora, como se estivesse a esclarecer os pobres cidadãos que, sem ele, seriam incapazes de compreender a complexidade do mundo e a profundidade das questões discutidas.

O comentador político de sucesso sabe que as causas fraturantes são o seu terreno fértil. Ele está sempre atento para encontrar vítimas em qualquer cenário, sejam estas vítimas reais ou simbólicas. Este foco nas vítimas permite ao comentador assumir a postura de defensor dos fracos e oprimidos, atribuindo a si próprio um papel heroico. Ao alimentar estas causas, o comentador político mantém a sua relevância e cria uma narrativa moral em que se posiciona como o defensor da justiça. Esta dinâmica é particularmente útil para captar a atenção e a simpatia do público, que vê no comentador político uma figura de autoridade ética.

Uma característica que se tornou quase uma regra implícita em grande parte da comunicação social é a inclinação ideológica para o progressismo woke. O comentador político que se assume defensor das causas progressistas beneficia de uma espécie de legitimidade automática no espaço mediático, enquanto aqueles que ousam apresentar opiniões divergentes são rapidamente rotulados como extremistas. Esta bipolarização ideológica simplifica o debate e cria uma divisão clara entre o “bem” e o “mal”. Ao posicionar-se como um bastião do wokismo, o comentador político reforça a sua autoridade e evita ser questionado, já que o simples acto de o interpelar pode ser considerado como uma demonstração de extremismo.

Afinal, por que motivo tantos comentadores se enganaram com a vitória de Donald Trump? Creio que uma das possíveis respostas é dada por G.K. Chesterton: “Não é que eles não possam ver a solução. É que eles não conseguem ver o problema.”