As almas sensíveis já estão a bufar. Como pode alguém ter o atrevimento de comparar Obama a Trump? Estas almas não só adoram Obama como adoram mostrar que detestam Trump, como mostraram os textos sobre o primeiro ano da sua presidência. Gostam de estar juntos na manada da opinião pública e precisam de massajar o ego com ataques periódicos contra Trump. Para sossegar um pouco estas almas, sublinho desde já: há diferenças substanciais entre Obama e Trump. São óbvias, mas neste artigo não me interessa falar nelas. As almas sensíveis fazem isso todas as semanas.

Também não trato das semelhanças apenas para irritar (apesar do gosto de irritar as nossas almas sensíveis). As semelhanças entre o Presidente americano e o seu antecessor interessam pelo que nos dizem sobre aspectos relevantes para se entender os Estados Unidos em 2018 (e não em 1990 ou em 2000). Tanto Obama como Trump foram e são “políticos anti-sistema.” Esta primeira semelhança é fundamental para se entender o que se passa na política norte-americana. Não é necessário ler manuais sobre a política Americana ou obras sobre a história dos Estados Unidos para se entender a tensão permanente entre as elites de Washington (e de Wall Street) e o resto do país. Basta ler a boa literatura norte-americana ou ver o bom cinema norte americano (mas não vale a pena ouvir os histéricos de Hollywood, esses não vivem nos Estados Unidos, mas sim num planeta à parte).

Desde 2008, ano da primeira eleição de Obama, os Estados Unidos iniciaram uma era populista contra as elites tradicionais de Washington. Nas primárias do partido Democrata, Obama foi o candidato “outsider”, o “anti-establishment”. Hillary Clinton era a favorita, a candidata da oligarquia do partido. Leiam os relatos da época e podem verificar como a vitória de Obama contra Hillary foi entendida como o triunfo das bases contra as elites. Obama vinha das margens dos democratas e a sua nomeação foi uma surpresa. Aconteceu o mesmo com Trump oito anos depois. Também ele era o candidato dos não-representados, dos ignorados contra as elites republicanas. E, tal como Obama, ninguém esperava que vencesse as primárias. Por fim, tal como Obama, Trump derrotou Hillary Clinton, o símbolo das oligarquias de Washington, para chegar à Casa Branca. A insistência dos democratas em Hillary é que surpreende. Mostrou um partido fechado, dominado pelas suas oligarquias e incapaz de aprender as lições de 2008. Em 2016, o partido Democrata tomou uma decisão absolutamente absurda: pediu aos norte-americanos para elegerem uma candidata que eles próprios tinham rejeitado oito anos antes. E ficaram admirados com a vitória de Trump?

Há uma segunda semelhança entre Obama e Trump, igualmente crucial para se entender os Estados Unidos. Na política externa, ambos se afastaram dos paradigmas dominantes entre 1945 e 2008. Ambos rejeitam intervenções militares humanitárias ou em nome da promoção da democracia. Rejeitam olhar para a política mundial através das ideologias e obedecem quase unicamente ao interesse nacional. Além disso, para os dois, a Europa tornou-se secundária, atrás da Ásia, sendo a expansão da China a questão estratégica central. E veremos no final do primeiro mandato de Trump se o modo como irá lidar com o desafio chinês será muito diferente do que fez Obama.

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Há uma diferença importante entre Trump e Obama na condução da política externa. Obama não atacou os compromissos comerciais externos dos Estados Unidos, e Trump está a fazê-lo. É uma diferença importante e, neste caso, julgo que Trump não defende da melhor maneira os interesses dos EUA ou da economia global. Mas também não é inteiramente correcto exagerar as diferenças. O entusiasmo de Obama pelo Tratado Trans-Pacífico nunca foi forte. Se fosse o tratado teria sido ratificado antes de Trump ter sido eleito. Do mesmo modo, Obama nunca se empenhou com entusiasmo no TTIP (acordo comercial entre Estados Unidos e a União Europeia).

Apesar das diferenças, o ponto relevante é que tanto Obama como Trump respondem sobretudo a uma fadiga dos norte-americanos em relação à liderança global dos EUA e a alterações geopolíticas globais. No primeiro caso, a maioria dos norte-americanos está cansada de pagar os custos da hegemonia política. O reforço das tendências unilaterais é independente de Obama, de Trump ou de qualquer futuro Presidente. E quem ocupar a Casa Branca não poderá ir contra os sentimentos da maioria dos americanos. Como diria Clinton, ‘é a democracia estúpido.’ No segundo caso, o destino da competição geopolítica global encontra-se cada vez mais na Ásia e não na Europa. Os europeus podem não gostar, mas Trump não é o culpado. Aliás, Obama via o mundo em termos semelhantes.

A maioria dos norte-americanos cansou-se dos candidatos ‘favoritos’ e de seguir a ‘opinião’ dos jornais e cronistas de referência. A eleição de Trump foi também a derrota das elites bem pensantes e do ‘establishment dos media’. Mas, apesar da derrota, nada aprenderam. Exprimem emoções de um modo patético em vez de analisarem de um modo sério. Preferem escrever para os seus egos e para agradar os seus pares, em vez de tentar entender o que se está a passar nos Estados Unidos. Dá menos trabalho e é mais popular. As nossas almas sensíveis fazem parte do mesmo mundo que elegeu Trump. São as duas faces da má moeda.