A ameaça de recessão que atinge as principais economias mundiais refreou o ímpeto dos bancos centrais para aumentarem as taxas de juro. Nas reuniões da semana passada, os principais bancos centrais reduziram a intensidade do aumento das taxas de juro de 75 para 50 pontos base. Embora as taxas de inflação continuem em valores máximos dos últimos quarenta anos, os bancos centrais optaram por um aumento menos agressivo das taxas de juro. No entanto, deixaram claro que são esperados mais aumentos nos próximos meses.
Todas as instituições internacionais preveem um forte abrandamento no crescimento das principais economias em 2023. Para os Estados Unidos, a previsão da OCDE é de uma quebra de 1,8% em 2022 para 0,5% em 2023. No anúncio da decisão na semana passada, o BCE referiu a possibilidade de uma contração na área do euro neste e no próximo trimestre e apresentou previsões para a taxa de crescimento do PIB em linha com as da OCDE, que prevê uma queda de 3,3% em 2022 para 0,5% em 2023. No entanto, para a Alemanha, a maior economia da União Europeia, a previsão da OCDE aponta para uma quebra de 1,8% em 2022 para -0,3% em 2023.
O aumento das taxas de juros, iniciado este ano pelos bancos centrais para combater a taxa de inflação, será inevitavelmente associado à próxima recessão. Os bancos centrais sabem que dificilmente escaparão à condenação pública e por parte dos políticos pela sua responsabilidade na próxima recessão. A desaceleração da economia, induzida pelo aumento das taxas de juro, faz parte do processo de combate à inflação. Os bancos centrais aumentam os juros precisamente para refrear o consumo e o investimento, reduzindo dessa forma as pressões inflacionistas. De salvadores das economias nas últimas crises, os bancos centrais arriscam-se a passar a culpados.
Não podendo descurar o combate à inflação, os bancos centrais tentam evitar uma aterragem brusca da economia em 2023, abrandando o ritmo de aumento das taxas de juro. No equilíbrio entre o combate à inflação e a tentativa de uma aterragem suave da economia joga-se a credibilidade dos bancos centrais. Esse equilíbrio será muito mais difícil de alcançar pelo BCE na área do eurodo que pela Reserva Federal dos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, porque persiste uma enorme diferença de taxas de inflação na área do euro. Em novembro, a taxa de inflação homóloga na área do euro foi 10,1%. No entanto, a Espanha registou uma taxa de inflação de 6,7%, a Alemanha de 11,3% e os países bálticos em torno de 21%. Dado que o objetivo do BCE é uma taxa de inflação média para a área do euro, as diferenças nas taxas de inflação poderão dificultar a definição da política ótima. Para os países com inflação mais baixa as taxas de juro poderão ser demasiado elevadas e para os países com taxas de inflação mais altas as taxas de juro poderão ser insuficientemente elevadas. Esta incerteza aconselha a mudanças menos abruptas nas taxas de juro, como aconteceu na semana passada.
Em segundo lugar, a incerteza na Europa é muito elevada. O desempenho da economia vai depender de forma crucial da evolução dos preços da energia. O relatório da OCDE sobre as perspetivas económicas para 2023 chama a atenção para o facto de nos últimos 50 anos, com a exceção da crise provocada pela pandemia Covid-19, todas as recessões estarem associadas a um aumento do peso das despesas energéticas no PIB, tendo este ultrapassado sempre os 13%. Em 2022, a OCDE estima que o peso das despesas energéticas no PIB ultrapasse os 17,7%. Ou seja, os riscos de uma recessão são mesmo muito elevados. A grande dependência energética da Europa, agravada pela guerra na Ucrânia e pela interrupção do fornecimento de gás russo, aumenta os riscos de recessão e a incerteza em relação à evolução da inflação. A Reserva Federal está numa posição mais favorável para lidar com o dilema do combate à inflação e evitar uma aterragem brusca dado que os Estados Unidos têm excedentes na balança comercial de petróleo e de gás.
E a economia portuguesa terá uma aterragem brusca ou suave em 2023?
O Boletim Económico de Dezembro do Banco de Portugal reviu em alta o crescimento económico para 2022, de 6,7% para 6,8%. Um desempenho económico muito positivo para a economia portuguesa, mesmo tendo em conta a forte quebra em 2020. Para 2023, o Banco de Portugal prevê um crescimento do PIB de 1,5%, ou seja, superior à previsão de 1,3% que consta no Orçamento do Estado (a OCDE prevê 1%). Analisando os dados desta perspetiva, com uma quebra na taxa de crescimento do PIB de 6,8% para 1,5%, a economia portuguesa não deverá ter uma aterragem muito suave.
A redução significativa dos contratos a prazo nos últimos anos contribuirá para estabilizar o emprego. No entanto, como aconteceu em 2022, essa estabilidade não protegerá os trabalhadores da perda de poder de compra imposta pela inflação (5,8% nas previsões do Banco de Portugal). O efeito da inflação no poder de compra, da incerteza e do aumento dos custos com o endividamento levará à estagnação ou mesmo à contração do consumo.
Assim, as previsões do Banco de Portugal para o desempenho da economia portuguesa estarão muito dependentes das exportações e, em particular, do turismo, que será tanto mais positivo quanto mais suave for a aterragem na área do euro. O crescimento económico depende também de forma crucial da capacidade de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Não surpreendem por isso as preocupações de Mário Centeno com a execução do PRR. Se o PRR tiver uma boa execução em 2023, foi um atraso que veio por bem. Se os atrasos persistirem, agravam-se os riscos de uma aterragem brusca da economia portuguesa.