Existe um estudo muito conhecido na área da Psicologia, que tenta explorar a noção de que em eventos traumáticos, a recordação posterior desse evento por parte do indivíduo dá primazia aos momentos finais do mesmo. E foi precisamente isso que dito estudo mostrou, especificamente em relação à colonoscopia (sem anestesia). O grupo de utentes no qual, no final do evento, a sonda foi deixada uns minutos em repouso antes de dar o procedimento por terminado, classificou posteriormente o exame como menos doloroso do que o grupo de utentes onde foi feita uma colonoscopia normal, sem essa modificação.

É um estudo com resultados interessantes, que me veio à ideia nesta recta final para as eleições autárquicas. Porque, de facto, me parece inegável que é por esta altura (no final do mandato) que vemos obras públicas em todo o lado. Rotundas, passeios pedonais, estradas requalificadas, etc.

Parece-me ser consensual que a interpretação deste fenómeno passa um pouco pelos resultados do estudo da colonoscopia. A autarquia presume que será melhor avaliada se “mostrar obra” mais perto das eleições, para os eleitores terem mais vivo na memória esse trabalho e, portanto, julgarem os quatro anos através da lente dos últimos meses de mandato.

Vamos assumir que esta estratégia resulta (o que me parece ser o caso). Vamos também assumir que as obras efectuadas foram benéficas e necessárias ao município.

A título de exemplo, imaginemos a requalificação de um espaço verde na cidade. Finda a obra, o resultado é óptimo, um novo espaço limpo e aprazível para passear e fazer desporto. Mas feito no último ano de mandato, sem uma boa razão para isso. Portanto, um benefício inequívoco para o cidadão, atrasado três anos por razão nenhuma, excepto os interesses eleitorais da administração vigente. Seria racional o autarca ser de alguma forma penalizado por esta decisão. Que poderia nem ser através de uma mudança de direcção de voto, mas através de uma simples chamada de atenção por parte do seu eleitorado. E se os meios para comunicar essa insatisfação à Câmara não são “simples”, deveriam sê-lo, essa, sim, uma falha indesculpável.

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Uma resposta comum a esta observação é “sim, mas pelo menos fez”. Não compreendo muito bem este argumento. Há duas explicações para o facto de em último ano de mandato autárquico não existir azáfama de obras públicas: ou não serão feitas ou já foram feitas. Voltando ao exemplo da requalificação do parque da cidade, presumo que essa obra fizesse parte dos planos com os quais o presidente se candidatou às eleições prévias. Portanto se não foi feita, está em falha e será penalizado. Se já foi feita logo no início do mandato, então essa celeridade permitiu aos cidadãos usufruir imediatamente dessa necessária requalificação. O que é bizarro é haver “pontos extra” se a obra for adiada para véspera de eleições.

Voltando ao estudo da colonoscopia. Um pormenor importante é que os participantes do estudo não sabiam do “truque” de tornar o final do exame menos doloroso como forma de tornar a memória futura do procedimento menos desagradável. E há uma razão para isso. Se os participantes soubessem do “truque”, este deixaria de resultar.

Da mesma forma, talvez fosse altura de encararmos este “truque” autárquico como aquilo que verdadeiramente é: uma forma de agradar e ganhar votos, mas que não traz benefício a ninguém. E que deve ser criticado. Não necessariamente como uma falha pessoal ou de competência por parte da autarquia, mas como um produto de irracionalidades e ideias erradas dos intervenientes (eleitores e eleitos). Ideias que podem ser alteradas e melhoradas através do argumento, da discussão plural e da abertura institucional.