Esta semana são publicados os dados da inflação do mês de agosto. A evolução dos preços da energia, que continuam a alcançar máximos, não antecipa para breve uma redução das pressões inflacionistas na área do euro. Neste contexto, na reunião do Banco Central Europeu, dia 8 de setembro, a discussão deverá ser entre um aumento das taxas de juro de 0,5 ou 0,75 pontos percentuais.

A intervenção de Isabel Schnabel, membro da Comissão Executiva e responsável pelas operações de mercado do Banco Central Europeu, no encontro anual de bancos centrais em Jackson Hole, Estados Unidos, na semana passada, foi muito importante para percebermos o contexto em que vai ser anunciado o novo aumento das taxas de juro. Na sua intervenção, apresentou os argumentos para a necessidade de uma ação resoluta do BCE no combate às elevadas taxas de inflação na área do euro.

Schnabel começou por salientar o aumento da volatilidade na zona euro. Depois de um longo período de estabilidade macroeconómica, iniciado em meados dos anos 80, a pandemia Covid-19, as alterações climáticas e a guerra na Ucrânia parecem ter inaugurado uma nova época. Uma época com mais volatilidade: nos últimos dois anos, a taxa de crescimento do PIB foi cinco vezes mais volátil do que durante a crise financeira de 2008/2009, e a volatilidade da inflação ultrapassou os níveis registados na década de 1970.

Schnabel avisou ainda para um conjunto de riscos futuros, que antecipam um mundo mais volátil nos próximos anos, com implicações para a estabilidade macroeconómica. Por um lado, os movimentos protecionistas, com base no argumento da necessidade de uma maior autonomia na produção de bens considerados estratégicos, podem limitar os ganhos do comércio internacional. Por outro, os riscos de uma transição energética desordenada na Europa, resultante da interrupção do fornecimento de gás russo e dos desafios colocados por um novo paradigma energético assente nas energias renováveis.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na segunda parte da sua intervenção, Isabel Schnabel analisou as implicações desta nova era mais volátil para a política monetária e apresentou três argumentos para uma resposta eficaz da política monetária à atual crise inflacionista: a incerteza em relação à persistência da inflação, as ameaças à credibilidade dos bancos centrais e os potenciais custos de reagir tarde demais.

A membro da comissão executiva do BCE reconhece os erros nas previsões da taxa de inflação e na avaliação da sua persistência. Reconhece também que o BCE respondeu com lentidão ao aumento dos preços. E conclui que daí podem ter resultado algumas brechas na credibilidade do BCE relativamente à sua prioridade em garantir a estabilidade dos preços.

À semelhança do que tinha feito Jerome Powell na intervenção de abertura em Jackson Hole, Schnabel refere o exemplo do choque de política monetária de Paul Volcker nos anos 80. No espaço de três meses, entre setembro e dezembro de 1980, a taxa de juro referência do banco central americano aumentou de cerca de 10% para 20%. Este forte aumento da taxa de juro provocou uma redução do consumo e do investimento, que resultaram numa recessão: a taxa de desemprego aumentou de 6% em 1979 para 11% em 1982, um valor máximo em quatro décadas. O aumento do desemprego necessário para reduzir a taxa de inflação para o objetivo fixado pelo banco central dá-nos o grau de sacrifício exigido por uma política monetária restritiva.

Paul Volcker, o mítico presidente do banco central americano, adotou uma política monetária muito agressiva num contexto em que era urgente criar uma reputação anti-inflacionista. Isto é, pretendia tornar claro que o objetivo da estabilidade dos preços era o principal objetivo do banco central e que tudo faria para o alcançar. Apesar dos custos impostos no curto prazo em termos de emprego perdido, a reputação e credibilidade do banco central enquanto guardião do poder de compra resultou em grandes benefícios para a sociedade e para a economia americana no médio e longo prazo. E foi imitada pelos bancos centrais de todo o mundo.

Na semana passada, Jerome Powell reafirmou o compromisso da Reserva Federal com a estabilidade dos preços e que prosseguirá uma política monetária agressiva. Desta política resultarão, no curto prazo, sacrifícios em termos de crescimento económico e emprego para a economia americana.

Isabel Schnabel enunciou um conjunto de princípios na mesma linha, que prenunciam a defesa de um aumento mais pronunciado e prolongado das taxas de juro. Daqui resultará uma contração do consumo e do investimento e uma possível recessão na zona euro.

No atual contexto, aqueles sacrifícios parecem necessários para recuperar a estabilidade dos preços. Esta é também uma condição para os bancos centrais recuperarem dos danos na sua reputação. Sem uma total recuperação da credibilidade dos bancos centrais como garante da estabilidade dos preços, o combate à inflação será mais difícil e os custos das famílias mais desfavorecidas com os preços elevados de bens essenciais serão ainda mais severos e prolongados.

Os Estados-membros terão uma importante responsabilidade no sucesso da política monetária do BCE, mitigando os sacrifícios que a política de combate à taxa de inflação irá impor no curto prazo. No caso de Portugal, um país muito endividado e com graves desigualdades sociais, a política orçamental deve prosseguir o objetivo de consolidação orçamental de forma a reduzir a exposição ao aumento das taxas de juro. Por outro lado, deve apresentar um programa de apoio às famílias e às empresas mais expostas à inflação.