Mais de um ano passado sobre a governação social-comunista da Saúde, justifica-se uma avaliação do que foi feito. Como sempre defendi, o programa do Partido Socialista para o Governo que se constituiu, em união de facto com os comunistas do PCP e do BE, não tinha nada de substancialmente diferente, nos pressupostos e nas propostas, do que estava plasmado no da coligação PSD/CDS. Sublinhe-se, contudo, que o discurso do PS era e ainda é baseado numa análise falsa e politicamente tendenciosa sobre o período de 2011 a 2015. Estava tudo mal, o SNS tinha sido desmantelado, destruído, estraçalhado e uma série de horrores tinham sido cometidos.

Há um ano prometeram-nos reformas, retomas, mudanças, relançamentos, recuperações e finalmente o SNS seria “devolvido” aos cidadãos. Seria tudo melhor e diferente. Olhemos para a realidade.

Temos muitas medidas que foram, ainda bem, a continuação do que tinha sido feito em anos anteriores, embora com alguns números aquém do prometido. Manteve-se a contratação de médicos e enfermeiros. Mais médicos hoje porque, entretanto, há mais licenciados e as vagas nos internatos têm vindo a ser aumentadas desde 2011. Louve-se a decisão de não terem reduzido o numerus clausus das faculdades e de continuarem a absorver internos. Mas não parece que tenham a coragem de encurtar os períodos de formação médica pós-graduada, como tem de ser feito e está previsto com a extinção do denominado ano comum.

Este Governo criou o Conselho Nacional de Saúde. Havia um projeto mas é a este Governo que se fica a dever a sua criação. Porventura demasiado numeroso e, por isso mesmo, de operacionalidade nula, mas está lá. Parabéns por isso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Puseram o Sistema de Avaliação de Tecnologias da Saúde, criado pelo XIX Governo, a funcionar. Excelente. Em consequência, aumentou o número de medicamentos novos com preço fixado para o SNS. Apenas mais 6 (13%) do que em 2014 mas mais quase 40% do que em 2015. Já há comparticipação de medicamentos para deixar de fumar. Ótimo.

Abriram-se, até dia 29 de dezembro do ano transato, 25 USF modelo B, menos do que as 26 de 2012, mas mais do que em qualquer ano de 2013 a 2015. Foram abertas, em 2016, 30 novas USF de modelo A, o modelo por onde todas começam, menos do que as 38 de 2012 e 2013 ou do que as 32 de 2015. O “relançamento” da reforma ficou-se, com muito mérito, pela continuidade do esforço de 2011 a 2015. É expectável que haja mais pessoas com médico de família no final de 2016. Discutir se ainda são 600 ou 900 mil utentes à espera de médico, quando se tem feito tudo o que é possível para contratar e colocar médicos de família, é um exercício inútil.

Há alguns lugares a mais na rede de cuidados continuados. No fim de outubro de 2015 eram 7.415 lugares. No final de novembro de 2016, eram 7.964 lugares, mais 549, muitos dos quais já estavam autorizadas em 2015. Afinal, o “boom” não aconteceu. A novidade são as 10 camas dedicadas a crianças, cuja possibilidade legal de criação e tipologia tinha sido desenvolvida pela coligação PSD/CDS. Bravo, por tem prosseguido. Só há mais 26 lugares de cuidados paliativos e, o que é vergonhoso para este Governo, ainda não há nenhum lugar dedicado à saúde mental depois de tudo ter sido deixado preparado e publicado em DR em 2015!

Há um Registo Oncológico Nacional, ainda só no papel, mas é um feito legislativo digno de louvor. Foi já publicado o despacho que consagra a obrigatoriedade prioritária de usar plasma do IPST. Era o que estava previsto na Estratégia elaborada em 2015.

É lamentável que já não haja a divulgação de dados referentes às listas de espera para cirurgia. O Portal do SNS, de mérito indiscutível, devia conter esta informação que sempre existiu. As redes de referência e os centros de excelência continuam a surgir em bom ritmo. As linhas de orientação para tratamento e diagnóstico também não pararam de ser criadas e validadas. Felizmente, o combate à fraude não perdeu ímpeto. Há que acabar com ela nas aquisições, prescrições, atestados e baixas injustificadas.

Temos a epidemia sazonal de infeções respiratórias e as respostas têm funcionado, como sempre funcionaram, com alargamento de horário nos centros de saúde, abertura de enfermarias de contingência, no fundo com a aplicação dos planos que sempre existiram. Mesmo assim, houve enormes tempos de espera em alguns serviços de urgência, atrasos nas respostas do INEM – onde parece que há falta pessoal por causa da passagem dos funcionários a 35h -, reclamações e excesso de mortalidade. Não terá havido caos generalizado, como nunca houve em anos passados. Nada de novo. Volto a sublinhar, como sempre fiz, o esforço de todos os que trabalham no SNS e a excelência da qualidade dos nossos serviços de urgência, muitos dos quais alvos de melhorias em anos recentes. Talvez já o possa fazer, agora que o Governo da esquerda reconhece que as respostas, na enorme maioria das urgências hospitalares, são mais do que razoáveis. Já não há reportagens com câmaras ocultas. Ainda bem. Não foi, nem será, por causa da informação manipulada que o SNS tem melhorado.

Mas, entretanto, as dívidas aumentaram. Mais dívida a fornecedores e a bombeiros. Mais déficit dos hospitais e do SNS. E não vale a pena argumentar que herdaram o prejuízo do fim de 2015. Em novembro de 2015, quando este Governo tomou posse, a dívida e o deficit eram menores do que em período homólogo de 2016. Dezembro de 2015 já foi tempo de esquerda.

Há promessas. Vamos ter mais 65 pontos de atendimento de cuidados primários. Alguns serão substituições de instalações antigas. Quando? Há a intenção de renovar equipamento pesado de diagnóstico. Vamos ter mais bombas de insulina que fazem muita falta e mais medicamentos aprovados para o SNS. Não se vislumbra é a reforma do sistema de comparticipação dos medicamentos.

Vão aumentar os incentivos para a fixação de médicos em lugares com carências mais graves. Dizem que serão mais mil euros por mês no salário. Mais contratações de pessoal. Teremos mais progressões nas carreiras já existentes. O valor pago pelas horas extraordinárias vai ser reposto integralmente. As 35 horas serão aplicadas a todos os trabalhadores do SNS. As carreiras por criar, como as dos farmacêuticos, psicólogos, nutricionistas e técnicos de diagnóstico e terapêutica, preparadas em 2015, ainda aguardarão por melhores dias.

Vão ser construídos hospitais novos em Évora, Sintra e Seixal. Fazem falta, mas serão os mais prioritários? Devo dizer mesmo que o modelo proposto, de mini hospital, sendo o mais barato não será o mais eficiente e desejável para a procura já existente nessas regiões do País. Aplauda-se a vontade de manter a contratação, em regime de PPP, da gestão do Hospital de Cascais. Lamente-se não terem ainda percebido que o Hospital Oriental de Lisboa só será viável e economicamente sustentável se a sua construção e gestão também forem lançadas no mesmo regime. É desta que vai haver novo edifício no IPO de Lisboa, ou assistimos a mais uma manobra para eleições autárquicas?

O orçamento para 2017, já sabemos, não comporta o que está previsto, nem o que está prometido. Talvez nem cubra a inflação. Temos austeridade agravada. É esta a realidade. Entendo que o Ministério da Saúde tem feito, em grande medida, o que poderia ter sido feito. O ministro aceitou o Orçamento que tem. Sabia que com a política imposta pela coligação de esquerda, escorada na reversão de medidas tomadas pelo Governo anterior e na reposição acelerada de salários e benefícios para a função pública, associada à redução de horário de trabalho, não lhe restaria dinheiro para pagar o que deve. Nem pode argumentar que não há mais porque temos de honrar compromissos internacionais. Porventura esqueceu-se que o maior compromisso resultou do resgate de 2011, o que herdámos de um Governo PS? O problema maior que o ministro da Saúde tem está nas promessas que não cumpriu e não conseguirá cumprir. Ser-lhe-ão cobradas. Como disse um dominical analista, teve o mérito de fazer “omeletes sem ovos”. Para quem começou por ser “reformista e competente”, convenhamos que não é grande evolução. Para já chegou e viu, mas não venceu.

A arrogância com que o PS entrou em funções, ansioso de demonstrar que afinal estava tudo mal, anunciando que o país iria ser reinventado depois de 4 anos de obscurantismo medievo, voraz na substituição dos quadros dirigentes, persecutório nos modos, assertivo num discurso cheio de lugares comuns, não deixou espaço para consensos de âmbito nacional. Não haja dúvidas de que a esmagadora maioria da sociedade portuguesa quer o SNS que tem e, se possível, ainda melhor. O que ninguém está disposto a discutir é como vamos mantê-lo, tal como o conhecemos, sem crescimento económico e sem maior financiamento. Na falta de soluções, do lado do Governo e da esquerda caduca que o sustenta, cabe aos partidos da oposição e à sociedade civil a promoção de um debate conclusivo de que resultem respostas alternativas e consequentes. Um bom ponto de partida seria a ADSE. A reforma real deste sistema adicional de cobertura para os funcionários públicos poderia ser o embrião do seguro público de saúde, generalizado e aberto aos trabalhadores que quisessem aderir. Só assim haveria o início de uma verdadeira reforma que pudesse libertar o SNS para voos mais altos, longe das amarras que o Estado Novo inventou e que ainda perduram na Democracia.

Ex-ministro da Saúde do XX Governo