Sei que já muito se disse e escreveu sobre o bloquista-vereador-anti-especulação Ricardo Robles e o seu alter ego de investidor imobiliário. Mas há vários anos que não me lembro de ter um início de férias tão divertido, pelo que permaneço no tema.

Na verdade, quem pode resistir a um político que quer Lisboa devolvida aos lisboetas mas que reabilita um prédio e o tenta vender a estrangeiros? (Sim, um dos benefícios da imobiliária Porta da Frente é estar associada à Christie’s e, por isso, ser acessível com facilidade aos compradores de todo o mundo). Quem não adora um paladino das rendas acessíveis e da habitação em Lisboa a preços adequados aos autóctones e que, aparentemente sem se ter submetido a uma lobotomia, faz obras num prédio a pensar em arrendamento de curta duração para turistas? (Apartamentos de vintes e trintas metros quadrados não são com certeza feitos tendo famílias que queiram morar em Alfama como mercado alvo.) Quem não tem assomos de paixão perante um político do partido que defendeu o acréscimo do IMI para os grandes proprietários – conhecido de resto como imposto Mortágua, sua colega na agremiação, que garbosamente declarou que se tinha de perder a vergonha de ir buscar a quem estava a acumular – e, depois das obras de reabilitação que aumentariam o valor patrimonial tributário do seu famoso e infame prédio, convenientemente se esquece de informar a AT dessas obras e no fim pede isenção? Que pessoa maldosa não considera um santo de altar (pelo menos) o arauto do fim dos despejos e as alterações legais que os permitem e, em coerência, mal se vê dono do dito prédio exige rendas mais altas aos inquilinos e, face às recusas, usa as leis que execra para terminar os contratos de arrendamento? Quem não se deslumbra com o cavaleiro anti gentrificação da cidade que tenta vender um imóvel mais caro do que o mercado suporta? (Bom, juntemos o pecado da ganância à hipocrisia e à dissonância etico-política de Robles, porque afinal por 5,7 milhões de euros ninguém comprou o imóvel.)

Aparentemente não é um caso de esquizofrenia clínica, mas esquizofrenia moral é-nos permitido desconfiar que sim.

Porém, tão boa como a esquizofrenia roblesiana são as mentiras e aldrabices reiteradas a que o Bloco e Ricardo Robles gostosamente se entregaram. Que, evidentemente, merecem julgamento político. Catarina Martins proclamava que Robles não havia ganho dinheiro com os negócios imobiliários porque não vendera o prédio. Quase ficamos na dúvida entre concluir que Catarina Martins não percebe que tanto é riqueza e património metade de um prédio (que vale alguns milhões de euros) como dinheiro na conta bancária (e, sendo o caso, é incapaz de votar um orçamento de estado, por limitações básicas), ou percebe mas está descaradamente a oferecer papas e bolos aos que julga tolos.

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Robles, presenteando-nos o seu ar mais angelical, informava que tinha escrito aos seus inquilinos dando conta da intenção de manter os contratos de arrendamento – quando na verdade os informou que pretendia alterar as condições aumentando as rendas e colocando prazos. O querubim Robles protestando que quem decidira o preço de venda do imóvel fora a agência imobiliária (como se esta decisão não fosse sempre de quem vende, aconselhado ou não pelo mediador que contrata).

Robles já se demitiu, Catarina Martins fez um sucedâneo de mea culpa. Não obstante, convém ter na memória que com uma tremenda lata durante vários dias toda a cúpula do BE se entregou à aldrabice descarada de distorcer realidades, criar factos alternativos, gritar ‘fake news’, mentir abundantemente. Desse mesmo BE, uma agremiação que julga e moraliza sobre outros agentes políticos (e económicos e na verdade todos os que sejam ideologicamente ‘o outro’), sugere intenções malévolas para os atos mais inócuos dos opositores políticos e insinua ilegalidades e calamidades éticas, mesmo sem fundamento, em se tratando dos ditos.

E após tanta catástrofe auto induzida, o BE faz uma reunião para decidir quem substitui Ricardo Robles na CML depois da renúncia. Como disse? Então não há listas eleitorais para se seguirem? Que reunião é precisa? As listas são mais uma aldrabice para enganar eleitores desprevenidos? Não acham falta de respeito pelos eleitores apresentarem uma lista-pantomina que afinal não conta? Rita Silva, que vem a seguir a Robles, prestou-se a um logro aceitando estar na lista quando afinal não pretendia exercer o cargo se disso houvesse necessidade? Que raio de desculpa é esta de ser incompatível uma posição numa associação com a vereação da CML (que não é ocupação a tempo inteiro)? Rita Silva foi colocada na lista apenas para cumprir as quotas e conquistar fama de paritário para o BE? Com a intenção de, se preciso, saltar para o senhor que se segue?

Hipocrisia, inconsistência, mentiras, ataques à comunicação social, recusa do escrutínio democrático, desrespeito pelos compromissos eleitorais. Parabéns, Bloco. Pela lata. Tão novo e já tão convicto de estar acima das agruras que se devem servir aos comuns partidos.

Aqui chegados manda a minha consciência dizer que, em tocando à reabilitação do prédio em Alfama, Ricardo Robles não fez absolutamente nada de mal. Comprou num leilão, reabilitou pensando no alojamento local, tornou o prédio (e a rua do prédio) mais agradável à vista, alterou ou terminou contratos de arrendamento com rendas indecorosamente baixas, tentou vender pelo preço mais alto possível. Não teve nenhum ato pouco ético, menos ainda ilegal, nem sequer se tornou um especulador – nada fez para artificialmente subir o valor dos seus bens. Contudo, para um membro de um partido que se especializou em perseguir privados que, dentro da ética e da legalidade, tratam de ganhar dinheiro para si e para os seus, aplaudimos esta derrocada aos pulos de alegria. É mais ou menos como se Al Capone tivesse cumprido pena de prisão não pelas diabruras fiscais mas por dar presentes no Natal às crianças pobres de Chicago.