Foi em 1995 ou 1996. Estive, não me perguntem porquê, num “congresso internacional” de sociologia, em Vila do Conde. A sucessão de palestras dava vontade de morrer, ou pelo menos de questionar firmemente a escolha da licenciatura que acabara de obter. Não me lembro de pormenores, excepto do momento em que, durante uma pausa para café, os congressistas se agitaram e correram para um ponto específico. O ponto era ele, um sujeito de meia-idade com atroz fato esverdeado ou acastanhado, camisa e gravata a desdizerem. O cabelo apresentava-se penteado para trás e comprido na nuca, como se exige. Os congressistas tremiam de veneração. Ele sorria, a desfrutar dos tremeliques. Ele chamava-se Boaventura Sousa Santos e já então se destacava na sociologia caseira por ser mais leninista, mais impostor, mais inútil, mais rústico e mais ridículo que o sociólogo médio. “Professor estrela”, designação que ele aceita, não é epíteto desajustado: uma estrela de telenovela boliviana ou portuguesa, famoso por interpretar o papel de académico em academias a fingir.

É curioso que o prof. Boaventura só tenha caído em desgraça agora, quando, aos 82 anos, se vê acusado de assédio por diversas senhoras de diversas nacionalidades, e sempre procedentes do Terceiro Mundo que o toma por um “investigador”. Comentei as acusações na Rádio Observador e não tenciono repetir-me. O conteúdo daquilo é lúgubre e tresanda a mofo. Acrescento apenas que, do que se sabe, há um padrão recorrente: as alegadas investidas do prof. Boaventura nunca dão em nada. Mesmo em posição – salvo seja – de privilégio, de dominação, de exploração e até neo-colonialismo, a criatura não consegue seduzir uma única senhora. E estamos a falar de senhoras que, por ignorância, desespero ou azares na vida, o acham um “intelectual”, um homem “brilhante”, a “esquerda em Portugal”.

Com a parte da esquerda concordo. O prof. Boaventura diz-se alvo de “cancelamento”, maldade que ele atribui ao “neoliberalismo”. É injusto que isso aconteça. Sobretudo é injusto que isso aconteça em 2023, após décadas a estrafegar dinheiro dos contribuintes, e de peculiares mecenas, na promoção do comunismo. Ao contrário dele, que defende exclusivamente regimes totalitários e censórios, não defendo que se silencie o prof. Boaventura. Mas aborrece-me pagar os respectivos delírios. É chato perceber que um pedacinho pequenino dos meus impostos patrocina os ardores ideológicos do “intelectual” em causa, tão inadequados quanto os – alegados, desculpem – ardores sexuais. Não faltam por aí provas da excitação do prof. Boaventura perante Chávez, Maduro, Morales, Guevara e o sr. Nkrumah do Gana. No quarto, deve pendurar posters de terroristas islâmicos e bandeiras da Frente Sandinista. E no coração pendurou Fidel, a quem dedicou um epitáfio lírico: “(…) É urgente um verso vermelho/sem solenidades nem códigos especiais/para devolver as cores ao mundo/e as deixar combinar com a criatividade própria dos vendavais”.

Má que mete medo, só por si a “poesia” do prof. Boaventura legitimaria um cancelamento, ou no mínimo um aviso contra taras desviantes. Além do erotismo dos ditadores, os versos do “professor estrela” não são insensíveis à sensualidade das pessoas comuns: “(…) entram chefes guerras caracóis/tesouras e pauzinhos/nas rachas das meninas/na catequese é em coro/e em filas/no escuro dos intervalos/medem-se as pilas/Boaventura tens quebranto/dois te puseram três te hão de tirar/se eles quiserem bem podem/são as três pessoas da Santíssima Trindade”. E: “(…) faz parte deste tiro/estar no alvo/e retirar-se/faz parte desta gota/ser a taça e alagar-se/faz parte deste cisma/ter entranhas e sujar-se/faz parte deste coito/estar a um canto a masturbar-se”. O recurso ao onanismo é inevitável: com um talento assim, não admira que o prof. Boaventura tenha dificuldades em engatar alguém. As citações integram um livrinho intitulado Têmpera, de 1980, que Maria Filomena Mónica revelou em artigo de 2004 (e que em passagem desactualizada nota: “Que eu saiba, o Prof. Sousa Santos jamais foi acusado de assédio sexual. Os seus devaneios destinam-se tão-só a fazer corar as meninas das aldeias.”).

As rimas do prof. Boaventura, que se alastram a outras obras imperdíveis e ilegíveis, não se ficam pela pornografia adolescente. A sumidade arriscou igualmente o rap adolescente, passe a redundância (“Alá caminha, caminha com alguém, na rambla de Granada (?), não acontece nada/Jesus caminha, caminha com alguém, que pode ser ninguém”). Existe no YouTube um vídeo que o mostra em ensaios, que recomendo aos apreciadores de comédia involuntária. A empreitada nasceu num livro, Rap Global, e desaguou numa peça que, reza a crítica elogiosa, aborda “a condição feminina subalternizada”. É um tema pertinente em certos meios universitários.

Com tudo isto, nem referi a produção “científica” do prof. Boaventura, afinal a origem da sua lenda. Não há muito a dizer. Trata-se de fanatismo marxista embrulhado em “conceitos” e palavreado “técnico”, a tentar emular a ciência de facto e a espalhar-se ao comprido. Suponho que na Venezuela e no Laos a coisa seja levada a sério. Caipiras de nações sortidas fascinam-se com pouco, incluindo com a interminável bibliografia do prof. Boaventura. Começam por folhear um daqueles abjectos volumes. De seguida sonham com uma carreira orientada pelo autor, repleta de dedicação aos oprimidos. Mal dão por ela, estão na casa do próprio, a ouvir “poemas” vagabundos e a rejeitar alegados whiskeys e avanços marotos. E a correr com nojo para a porta da rua, que o CES apontou ao prof. Boaventura com imensos anos de atraso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR