Impressiona-me sempre, nesta altura do ano, como os brinquedos continuam a acentuar diferenças sociais entre rapazes e raparigas. Não falo de diferenças naturais e biológicas, que obviamente existem, gerando interesses e promovendo escolhas de entretenimento diferentes nos meninos e nas meninas. E não falo também de haver brinquedos para uns ou para outras, porque o considero normal face às suas diferenças naturais — não alinho na tese (fundamentalista) de que os brinquedos devem forçosamente ser “neutros”, da mesma forma que não vejo qualquer problema quando uma menina gosta de um brinquedo geralmente destinado a meninos (e vice-versa). O que me impressiona, repito-me, são os brinquedos que artificialmente acentuam diferenças sociais — isto é, brinquedos que sugerem papéis sociais e profissionais diferenciados para meninos e para meninas, quase sempre as menorizando a elas.

O contraste mais recorrente é este: enquanto todo um tipo de engenhocas se associa visualmente aos rapazes nas embalagens (carros, robôs, naves espaciais, jogos de construção/ mecânica), às raparigas associa-se (entre bonecas e outras coisas) brinquedos que reproduzem tarefas domésticas — vassouras, cozinhas, aventais, kits de passar-a-ferro —, cuja apresentação aponta para um público-alvo feminino (por exemplo, nas opções cromáticas, com insistência nos tons cor-de-rosa). E, quem achar que é só uma questão de apresentação, faça a experiência. Oferecer um kit doméstico a uma menina pode eventualmente ser de mau gosto. Mas oferecer algo semelhante a um rapaz seria certamente recebido como uma provocação descabida: há uma percepção generalizada de que esse é um brinquedo de menina, portanto desadequado para meninos.

Acredito que muitos destes brinquedos estejam (devagarinho) a cair em desuso e que esta diferenciação seja hoje menos frequente do que era há 20 anos. E, tal como referi, não vejo problema que uns e outros brinquem com o que lhes apetece, independentemente das “normas sociais” dos contextos onde habitem — se um miúdo quiser ter a sua cozinha cor-de-rosa, não há razão para que não a tenha. Mas, o padrão imposto sobre as raparigas existe e não deve ser menosprezado. Porquê? Porque estes brinquedos reflectem expectativas (dos pais ou da sociedade) face ao papel que cada criança desempenhará na comunidade. E tanto as expectativas como os contextos sociais moldam as preferências das crianças, (auto)limitando-as nas suas escolhas e nas suas aspirações.

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