Completam-se, esta quinta-feira 6 de Abril, seis anos do terceiro pedido de ajuda financeira externa em democracia. Estamos neste momento em maré de festa, numa espécie de negação, alimentada pelo Governo e pelo Presidente da República, na perspectiva de que o optimismo faça crescer a economia. Enquanto isso acumula-se dívida pública e sinais preocupantes de fragilidade e fragilização das instituições.

Os casos de desrespeito pelas instituições são preocupantes pelo que têm subjacente de tentativa de controlar todo o poder. O que se passa faz lembrar a famosa frase de Jorge Coelho: “Quem se mete com o PS, leva”. E levam mesmo todos. Quem se atreva a olhar para um problema de forma mais critica – basta muitas vezes apenas pensar ou validar a informação –, apanha de imediato com um conjunto de selos. Não se debate o tema e atira-se com classificações como anti-patriota, que alinha com a oposição “pafiana” ou que actua por razões ideológicas. A ideia actualmente vigente é que o Governo tudo deve poder, e tudo deve impedir que assuma a mais leve forma de fiscalização dos seus actos. Porque, argumenta-se, agora é a vez da “política”, o que quer que isso queira dizer.

Dois dos mais recentes casos envolveram a escolha – ainda por fazer – dos novos membros do Conselho das Finanças Públicas e do Banco de Portugal. O Conselho, presidido por Teodora Cardoso, foi concebido na era da troika com o objectivo de limitar os excessos despesistas dos sucessivos governos de Portugal, que explicam em grande parte os três resgates que tivemos, em pouco mais de quatro décadas.

Tal como os bancos centrais se tornaram independentes para impedir que os políticos usassem as taxas de juro para ganharem eleições – provocando crises depois de as vencerem -, os organismos independentes de análise e avaliação prévia dos orçamentos foram pensados para proteger os governos dessas mesmas tentações eleitoralistas, usando dinheiro dos contribuintes. Como a nossa recente história de irresponsabilidade financeira tem demonstrado, precisamos mesmo de uma instituição independente que limite as tentações dos governos de olharem apenas para o curto prazo, criando problemas orçamentais a médio e longo prazo – veja-se por exemplo da decisão de reavaliação dos activos das empresas que retira receitas fiscais aos orçamentos futuros.

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No quadro da lei, os membros do Conselho Superior do Conselho de Finanças Públicas (CFP) são “nomeados pelo Conselho de Ministros, sob proposta conjunta do Presidente do Tribunal de Contas e do governador do Banco de Portugal”. Pensou o legislador que garantia, também desta forma, a independência do Conselho, evitando nomeações governamentalizadas. Enganou-se. No seu quinto ano de existência, e logo que chegam ao fim os primeiros mandatos, a independência do CFP é posta em causa.

O presidente do Tribunal de Contas Vítor Caldeira e o governador do Banco de Portugal Carls Costa propuseram que o elemento estrangeiro do Conselho fosse ocupado por Teresa Ter-Minassian, economista do FMI que conhece profundamente Portugal, já que foi a responsável do Fundo pelos anteriores resgates financeiros ao país, e por Luís Vitório. Eis se não quando o Governo resolve opor-se a estas escolhas de duas instituições independentes e como prevê a lei, fazendo basicamente uma espécie de veto de gaveta. E, de acordo com Teodora Cardoso, sem sequer explicar porquê e criando um problema jurídico.

A pergunta que se coloca é: do que tem medo o Governo para impedir que uma personalidade, com estatuto internacional e conhecimento da economia portuguesa como Teresa Ter-Minassian, integre uma instituição que tem como objectivo a disciplina das finanças públicas e a responsabilidade financeira? Se, de facto, estamos a cumprir as regras orçamentais e a impor disciplina financeira ao Estado, as opiniões externas da ex-economista do FMI apenas contribuiriam para dar ao país a credibilidade que ainda lhe falta, como se vê pelas taxas de juro da dívida pública e pelo cepticismo das agências de ‘rating’.

Pior ainda do que o problema conjuntural e jurídico que está a criar, o Governo contribui, com estas decisões, para fragilizar uma instituição que pode dar ao país o contributo de evitar novos pedidos de ajuda externa, por indisciplina financeira do Estado.

No mesmo sentido, da fragilização das instituições, vai a actuação que o Governo tem tido, e tem permitido, em relação ao Banco de Portugal. Também aqui, neste caso o governador foi obrigado a tirar a lista que tinha proposto para integrar a administração do Banco, já que António Costa se preparava igualmente para a inviabilizar.

O Banco de Portugal e o seu governador cometeram muitos erros. Um dos mais graves foi ter acreditado, até muito tarde, que a presença de Ricardo Salgado no BES era melhor para o banco, do que a sua saída imediata, assim que se identificaram os primeiros problemas em finais de 2013. Mas os erros de um responsável, que embora tardiamente actuou, não o podem transformar no principal réu do que se passou no BES. Os responsáveis pelo colapso do BES, pelas perdas dos lesados e pelos custos dos contribuintes são os seus gestores, que tinham como líder incontestado Ricardo Salgado. Esta é uma realidade que parece esquecida quer pelo Governo como pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. Nos sucessivos casos a que temos assistido sobre o caso BES, até parece que se pretende proteger Ricardo Salgado.

Portugal já tem demasiadas instituições frágeis para se fragilizarem as poucas que ainda tinham, ou poderiam ter, algum peso na sociedade portuguesa. Quando olhamos para as entidades reguladoras dos outros sectores – da energia, às telecomunicações, passando pelo media -, que ou nada fazem ou dizem nada poderem fazer, percebemos bem como são fracas as nossas instituições. Até o Tribunal Constitucional – tão usado na era da troika – precisou que o Presidente da República falasse, para impor a apresentação da declaração de património da ex-equipa da CGD.

Se fazer “política”, como quem defende que é o que se passa agora, é controlar todas as instituições que garantem o funcionamento saudável da democracia, para se viver numa espécie de ditadura que garante objectivos de curto prazo, então esta não é a política que garante o desenvolvimento. Vamos ter mais dinheiro nos bolsos por uns tempos e lá voltaremos ao mesmo do costume, num círculo vicioso infernal de expansão e crise sob resgate financeiro externo. Só instituições fortes, que não precisam de votos poderiam quebrar este inferno. Mas o Governo parece estar mais confortável em condenar-nos a este circulo sem fim de subdesenvolvimento económico e político.