1 Na próxima sexta-feira, 10 de Março, será lançado em Oxford o novo livro de Timothy Garton Ash, Homelands: A Personal History of Europe (Bodley Head/Yale University Press). O livro acaba de ser elogiosamente recenseado no FTWeekend e tinha sido também elogiosamente referido por The Economist, na edição de 25 de Fevereiro. Estão desde já previstas 15 traduções, incluindo em Portugal.

A obra será revisitada por Tim Garton Ash no 14th Dahrendorf Colloquium, também em Oxford, a 28 de Abril, com a participação de Ivan Krastev, Anne Applebaum e Francis Fukuyama, entre outros. Por feliz coincidência, ou talvez não só por feliz coincidência, Tim virá a Portugal apresentar o livro também numa Ralf Dahrendorf Memorial Lecture (a 14ª), no âmbito da 31ª edição anual do Estoril Political Forum, em 26-28 de Junho, no clássico Estoril Palace Hotel.

2 Vale a pena dizer algumas palavras sobre o livro de Tim Garton Ash e, já agora, sobre esta repetida associação luso-britânica entre ele e Lord Dahrendorf.

Ainda que com 26 anos de diferença de idade, ambos foram anti-comunistas convictos [Dahrendorf (1929-2009) foi também resistente anti-nazi, preso por estes na sua Alemanha natal, quando tinha 15 anos]. Durante as décadas de 1970 e 1980, ambos participaram activamente no apoio aos dissidentes anti-comunistas na Europa Central e de Leste. Em 1989, ambos saudaram enfaticamente a queda do Muro de Berlim, e apoiaram também enfaticamente a transição à democracia no Leste europeu.

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Sintomaticamente, no entanto, ambos foram muito prudentes, para dizer o mínimo, sobre a utilização da expressão “revolução” quando aplicada às transições democráticas que enfaticamente apoiaram.

3 Ambos sublinharam que há pelo menos dois conceitos de “revolução” e que por isso o termo se tornou escorregadio, para não dizer simplesmente enganador. Na tradição de Karl Popper, ambos recordaram que houve revoluções relutantes, como a inglesa de 1688/89, em parte também a revolução americana de 1776, e revoluções ardentes, como a francesa de 1789 e a soviética de 1917.

Basicamente, as revoluções relutantes ocorreram com vista a criar, ou restaurar, um sistema de regras gerais constitucionais que permitissem a reforma sem revolução, isto é, a concorrência e a alternância pacíficas entre propostas rivais. As revoluções ardentes visaram atingir um modelo final de sociedade — um blueprint, como lhe chamou Karl Popper — em que os dissidentes desse modelo final são tratados como inimigos. Por contraste, no sistema de regras gerais gerado pelas revoluções relutantes, a variedade de pontos de vista é respeitosamente tratada no Parlamento — onde umas vezes ganham uns e outras vezes ganham outros.

4 Este é um tema de magna importância que não é possível tratar em detalhe neste espaço. Mas achei que tinha de o referir porque está crucialmente associado ao argumento de Garton Ash neste seu livro mais recente.

Grande parte da obra é dedicada a um olhar retrospectivo sobre a resistência anti-comunista na Europa Central e de Leste, bem como sobre as felizes transições à democracia que tiveram lugar após a queda do Muro de Berlim. É também uma defesa intransigente da resistência da Ucrânia contra a infame invasão czarista-comunista da Rússia do sr. Putin.

Mas, na parte final, o livro contém também um alerta muito preocupado sobre a crescente polarização política nas democracias liberais do Ocidente. Seitas, ou tribos, rivais esquecem, ou simplesmente ignoram, a distinção entre regras gerais constitucionais e propostas políticas particulares. Identificam por isso a democracia com as suas propostas políticas particulares — e esse atavismo iliberal tem produzido resultados pelo menos patéticos, como penosamente pudemos observar em Washington a 6 de Janeiro de 2021 e em Brasília a 8 de Janeiro deste ano. Do outro lado do tribalismo, auto-designado por “woke”, assistimos diariamente a tentativas de “cancelamento” da liberdade de expressão, em nome, mais uma vez, da “causa certa ou correcta”.

5 Tim Garton Ash conclui o seu livro com uma tocante evocação de seu pai, que combateu nas tropas britânicas na Normandia, em 1944, em defesa da democracia liberal e da libertação da França do jugo nazi. Num almoço evocativo na Normandia, Tim propõe fraternalmente a um eurocéptico francês, eleitor de Marine Le Pen, um brinde à Europa, “quand même et malgré tout”.

Creio que o brinde é muito apropriado. No Reino Unido, Tim tem sido sempre um empenhado “Remainer” e activo opositor do Brexit. A revista em que escrevia nos anos 1980/1990, The Spectator, tornou-se basicamente a favor do Brexit. Ainda assim, acabou de convidar Tim a publicar um artigo sobre o seu livro. E o director da época em que Tim era colunista da Spectator — o biógrafo de Margaret Thatcher, e actual colunista, Charles Moore — é um Brexiteer. Mas mantém cordiais relações com Tim Garton Ash e estará com ele (e connosco) no Estoril Political Forum em Junho.

6 Karl Popper chamava “gentlemanship” a esta capacidade de conviver tranquilamente com pontos de vista diferentes. Popper insistia que este pluralismo “cavalheiresco” se distinguia radicalmente do tribalismo e do fanatismo — revolucionário e/ou contra-revolucionário.

Talvez me seja permitido concluir este texto com um brinde à “gentlemanship” — “quand même et malgré tout”.