Enquanto escrevo não se sabe ainda se o PS vai ou não para congresso. Mas há coisas que já se sabem. E a primeira é que Seguro revela na hora de defender o seu lugar uma tenacidade que contrasta com a insegurança que aparenta em tudo o mais. Não é em vão que se fez, como Seguro, todo o circuito da carne assada e do bacalhau dourado das delegações, das distritais e das federações: a forma como em 2013 o líder socialista enfrentou a primeira tentativa de Costa de lhe suceder na liderança do PS revelou um Seguro altamente eficaz e matreiro na hora de neutralizar o adversário. Logo António Costa, o homem que gostaria de chegar à liderança do PS liderando uma vaga de fundo (quem não gostaria?), vai ter de lutar a sério pelo lugar.

Em segundo lugar podemos ter como certo que desta vez não haverá a mistificação de um Documento de Coimbra (alguém ainda se lembra do que era?) a fazer de conta que Seguro e Costa estão unidos. Não estavam quando produziram tal documento, que deve ter sido esquecido no próprio dia em que viu a luz nesse já distante mês de Fevereiro de 2013, não estão agora, nem virão a estar no futuro porque, e aí está um dos busílis desta questão, nesta crise do PS estamos diante de um confronto de personalidades, cada uma delas com a sua corte de notáveis e influentes, mais mediáticos no caso de Costa e mais aparelhísticos no caso de Seguro, e não perante duas visões diferenciadas (quanto mais opostas!) do que devem fazer os socialistas uma vez no Governo. Assim, no fim deste confronto, e se até lá ele não ganhar espessura ideológica não teremos um derrotado e um vencedor mas sim um triunfador e um falhado, o que não é bonito de ver nem augura nada de bom. Por outras palavras depois de ter ficado refém de Sócrates (foi pungente durante anos ver os socialistas a defender o indefensável no curso de Sócrates, nos licenciamentos do Freeport e da Cova da Beira até chegarmos a esse anagrama conhecido no País por “defesa da herança dos governos de Sócrates”) o PS arrisca-se agora a ficar aprisionado numa luta de carácter pessoal, muito interessante para os próprios mas sem qualquer valor acrescentado para os demais portugueses, socialistas ou não, que precisam cada vez mais de um PS capaz de governar e negociar.

Na verdade e aqui chegamos à terceira das minhas certezas e à mais preocupante de todas elas: o que move os apoiantes de Costa é a convicção de que com ele os resultados seriam outros não porque Costa tenha propostas diversas das de Seguro mas sim porque António Costa é António Costa. Não deixam de ter razão nessa sua esperança. Afinal há muitos anos que, em Portugal, se sabe que em política o que parece é. E António Costa parece a muitos socialistas e a quase todo os jornalistas e comentadores como o homem não só capaz de levar o PS às vitórias mas também de derrotar Passos, que parecendo ser a mesma coisa não o é politicamente falando. Ora esta convicção nasce em boa parte de algo mais volátil que qualquer gás, mais viciante que muitas drogas e tão perigoso quanto elas: a boa imprensa de que Costa tem gozado. Por razões várias essa boa imprensa tem existido de facto. Mas agora que Costa deixa o aconchegado pedestal onde se alinham mais ou menos intocáveis e inquestionadas as chamadas reservas morais dos partidos, aumenta exponencialmente o risco de muitos daqueles que hoje exultam com o Costa que “há-de lá chegar”, simplesmente porque “é o Costa”, acabarem a concluir perante os primeiros maus resultados –e há sempre um dia em que os maus resultados chegam – que o efeito Costa afinal não existe partindo rapidamente para uma nova miragem.

A quarta das minhas certezas nasce de uma dúvida: vai desta vez existir disputa pelo cargo de secretário-geral no PS? Não sei mas sei que devia haver. A direcção de Seguro tem certamente razão quando declara que as regras são para se cumprir e que se Costa quer antecipar para 2014 o congresso que está marcado para 2015 terá de reunir o apoio da maioria das comissões políticas das federações. Mas o pior que pode acontecer ao PS é ter um candidato a líder derrotado na secretaria, promovendo por aí a divisão do partido.

A quinta e última das minhas certezas é mais um recado para António José Seguro: nunca se deve decidir simplesmente para agradar. Não, não me refiro ao erro lapidar de num dia prometer repor as pensões e no outro declarar que não aumentará os impostos – nestes últimos três anos os portugueses tornaram-se mestres na análise dos saldos e promoções logo alguns votos terá perdido com esta fantasia aritmética. Mas aquilo em que estou mesmo a pensar, e que acredito que a Seguro também não sai do pensamento, é aquele momento, há pouco menos de um ano, em que não aceitou a proposta de Cavaco Silva para subscrever um acordo com o PSD. Acordo esse que tinha como contrapartida a antecipação das legislativas para 2014. Que é o mesmo que dizer que António José Seguro podia estar neste momento em São Bento como primeiro-ministro e não no Largo do Rato enquanto líder cercado por todos os lados, caso não tivesse hostilizado Cavaco para agradar aos seus detractores no partido a quem nunca agradaria fizesse ele o que fizesse. Como canta Rui Veloso numa canção muito apropriadamente chamada “Paixão” “não se ama alguém que não ouve a mesma canção”. E é precisamente essa parte do PS que nunca amou nem odiou Seguro, apenas o tolerou, ficando sempre a assobiar baixinho perante as suas palavras, que agora acha que chegou a hora de ele cumprir o destino que lhe reservam desde que na noite da derrota de Sócrates o viram sair esbaforido daquele elevador do Altis: diga adeus e vá-se embora.

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