A primeira semana do 45º presidente dos Estados Unidos foi devastadora.

Não para Trump, que se alimenta das acusações e cresce com as polémicas e os escândalos. Assim vem acontecendo desde que começou a sua escalada política: os jornalistas davam-lhe espaço de antena na esperança de o conseguirem levar a dizer algo com que o pudessem esmagar definitivamente. Queriam a glória de ter sido no seu programa, jornal, ou entrevista, que conseguiam afundar o candidato. O resultado foi precisamente o contrário: Trump ganhou as primárias à custa de ter sido o candidato republicano que mais tempo de antena teve.

Quando foi nomeado pelo Partido Republicano, os democratas novamente rejubilaram de alegria: algo tinha dado certo, porque era o candidato que Hillary teria mais facilidade em derrotar. Na campanha eleitoral, em cada intervenção, em cada debate, em cada sondagem, o establishment era unânime: Trump caminhava alegremente para uma derrota esmagadora. Desertado pela imprensa, inclusive pela conservadora, tanto pelos jornais como revistas mais fieis ao ideal conservador; pelo seu próprio Partido Republicano, pelos congressistas e senadores da sua cor, pelos seus colegas das primárias – o próprio Ted Cruz conseguiu a proeza de não o endossar – aguardava-o uma humilhante derrota que, de acordo com a narrativa, iria levar os próprios republicanos perderem até a maioria no Congresso. Lembram-se?

Tão estupefacta ficou a Sra. Clinton com o resultado final que não apareceu na noite eleitoral para reconhecer a derrota, muito menos congratular o vencedor. Ela que tão confiante estava na vitória… no último debate até se escandalizara ante a perspetiva de Trump poder vir a não reconhecer o resultado eleitoral. Lembram-se?

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Na realidade, a primeira semana da 45ª presidência dos Estados Unidos da América foi devastadora para os que diabolizaram Trump, e assim esgotaram e dispersaram grande parte do seu capital crítico, incluindo no nosso país. Depois de se ter comparado Trump com Hitler, o que resta? Depois de um embaixador o ter insultado e defendido o seu impeachment, o que resta? E depois de um comentarista ter proposto a proibição da livre circulação de cidadãos americanos na Europa? E depois de o parlamento o ter condenado?

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Após mais de dois anos de observação, ainda não perceberam que o “animal político” Trump se alimenta das críticas, que lhe são tanto mais nutritivas quanto mais radicais se mostram. Ele pode com todo o tipo de ataques: apocalípticos, terríficos, radicais, ordinários, baixos e até brejeiros.

Faz parte da sua tática negocial apresentar uma posição o mais radical possível, para depois capitalizar na contundência, agressividade e exagero dos comentários. É assim que se constrói uma posição radical: lançando uma provocação que recebe críticas desproporcionadas, para depois regressar à posição inicial demonstrando como afinal era razoável. Assim se desacreditam os críticos. E Trump é mestre nesta estratégia: apresenta verbalmente uma determinada medida ostentando o que de mais radical ela pode conter. Cai uma chuvada de rejeições, repúdios e ataques. Depois demonstra como vai levar à prática a posição inicial.

Alguém porventura se deu ao trabalho de ler as executive orders de Trump? Estão todas online. A que foi mais criticada, sobre os refugiados, é afinal um documento equilibrado, no qual se anuncia que:

  • Vai proceder-se a uma revisão da informação a fornecer por todos os países do mundo para atribuir vistos e admitir os respetivos cidadãos nos EUA;
  • Os Secretários de Estado e de Homeland Security submeterão ao presidente, em 30 dias, um relatório do resultado dessa revisão, incluindo a lista dos países que não fornecem a informação necessária;
  • O Secretário de Estado, após receber o relatório, irá solicitar aos países mencionados nessa lista que prestem a referida informação num prazo de 60 dias.
  • Para reduzir temporariamente o peso dessa investigação sobre as agências relevantes, de forma a assegurar uma revisão apropriada e a máxima utilização dos recursos disponíveis para a análise dos cidadãos estrangeiros, a fim de garantir os standards adequados para prevenir a infiltração de terroristas e criminosos, é suspendida por 90 dias a entrada nos Estados Unidos de nacionais de determinados países mencionados em legislação anterior, aprovada pelo seu antecessor: as sections 217(a)(12) do Immigration and Nationality Act, e 1187(a)(12) do S.Code.

Trata-se de uma decisão excecional, fundamentada, temporária, com um prazo de vigência claro e a sua rationale corretamente exposta.

As nossas instituições, nomeadamente a Assembleia da República, deveriam estar preocupadas com o que esta medida significa em termos de podermos vir a sair do programa Visa-Waiver de entrada nos EUA. Nesse sentido deveria ter ido a declaração do nosso parlamento: manifestar preocupação com os reflexos da medida para com as nossas comunidades.

De outra forma, parece que a preocupação com os refugiados é maior do que com as Comunidades Portuguesas nos EUA. Será mesmo?

É necessário entender Trump, se queremos verdadeiramente interagir com o que ele representa neste momento  ̶̶  os Estados Unidos da América.

Trump é um catalisador, um acelerador da história, um divisor de águas, um antecipador de situações. É exatamente o oposto do otimismo de Obama: onde este evitava enfrentar situações para postergar confrontos, Trump faz o contrário. Na questão dos refugiados, vê o terrorismo. Na globalização, vê: a) o desemprego e deslocalização de fábricas para fora dos EUA; b) a ascensão chinesa a primeira potencia económica mundial e desestabilização militar no Mar do Sul da China; e c) a concorrência da Alemanha que, depois do Brexit, chegou  ̶̶  a seus olhos  ̶̶  à liderança incontestada da Europa. Finalmente, na imigração, vê o aumento da delinquência e da atuação dos cartéis e mafias de droga nos EUA, onde se tem vindo a registar uma epidemia alarmante de overdoses nos últimos anos.

Para lidar com Trump, a imprensa  ̶̶  escrita, falada ou televisionada  ̶̶  e os atores políticos e institucionais têm de saber exatamente o terreno que pisam, conhecer e dominar assuntos e temas, evitar julgamentos emotivos e precipitados sem conhecimento da fonte, e efetuados com base em afirmações de terceiros não confirmadas. É absolutamente necessário agir com precisão e contenção, evitando transmitir emotividade e despeito por não ter vencido o outro candidato das eleições norte-americanas. Essa fase já está definitivamente ultrapassada e não se pode olhar para trás.

As críticas só vão começar a colar a Donald Trump quando este não puder mais demonstrar que são biased. Ou seja, quando se começar a fazer exatamente o contrário daquilo que tem sido feito até agora.

As eleições intercalares desta semana serão um primeiro importante termómetro de como está a reagir a sociedade americana à mais inédita presidência norte-americana de que há memória. Mas serão igualmente uma importantíssima referência sobre o modo como se está a comportar a oposição.