O acordo da passada segunda-feira (30 de Abril de 2018) entre a Asda (Walmart Group) e a Sainsbury no UK, por 10 biliões (americanos) de dólares eleva o patamar concorrencial e, concomitantemente, a dimensão do player médio do retalho alimentar – fast moving consumer goods – na europa e no mundo.
Como pode este acordo/parceria/venda da Asda à Sainsbury ser encarado e que impactos poderá vir a ter?
Primeiro, como um sinal claro de desinvestimento de um dos grandes mercados externos por parte da Walmart. Isto dito, parece que a intensificação concorrencial no mercado original da Walmart (Estados Unidos), via Amazon, e genericamente nos mercados do continente americano, vão ter que ter uma resposta diferente do que aquela que tem sido dada pela Walmart até ao momento. Um player como a Amazon, que muda o paradigma concorrencial ao comprar a Whole Foods e integra no on-line os fast moving consumer goods, tem de ser levado a sério. Ou seja, o passado mês de Julho (2017), altura em que a Amazon comprou a Whole Foods, começa a fazer emergir grandes decisões e coloca a concorrência a um nível pouco visto até então. À Walmart não basta ter umas parcerias para e-commerce.
Assim, a Google Express não chega, como de resto era notório, para fazer face ao push que a Amazon está a fazer à Walmart. Agora talvez se trate de apostar mais claramente na Walmart.com e na Jet.com e/ou em mais aquisições e em fazer a ignição do espírito empreendedor dentro do grupo Walmart.
Segundo, este movimento destrona a Tesco (que, com a compra recente da Booker – grossista – já tinha crescido), no Reino Unido, passando a nova Sainsbury-Asda a ser a líder de mercado (31% contra 28% da Tesco em termos de quotas de mercado). E intensifica a concentração, agigantando os players (no momento em que escrevo este texto desconhece-se a posição final do regulador; vamos admitir, porém, que será favorável).
Terceiro, este movimento de recuo para os mercados originais por parte da Walmart pode ser o sinal de que o futuro não está necessariamente nas múltiplas presenças geográficas de forma tradicional – física – mas que é necessário investir no e-commerce para conseguir, também futuramente, atacar de maneira mais subtil e mais “digital” outros mercados. Mas para tal são necessários mais processos de integração mundo físico-mundo digital, e mais estáveis, e mais força e foco nas operações que se tornarão decisivas nos próximos tempos – operações e cadeia de abastecimento da última milha (a milha de entrega em casa – ou ponto de recolha – do cliente).
Em quarto lugar, haverá certamente também muito trabalho a fazer na nova frente Sainsbury-Asda on-line, i.e., na Sainsburys.co.uk. e na Asda.com, bem como nas operações de última milha dos retalhistas agora “parceiros”. Manter ou não as duas marcas será uma questão estratégica importante (se bem que tenha sido anunciado que se iriam manter separadas muito embora, nestas coisas, só o tempo e os resultados o poderão dizer!). Manter processos distintos pode ser igualmente estratégico mas irá prejudicar, certamente, o efeito supply chain com procura de maiores economias de escala e estandardização.
Isto dito e aqui chegados a questão é que um novo teatro (novos teatros) concorrencial no Reino Unido e também maior concorrencialidade nos EUA levarão, por certo, a novos investimentos em e-commerce. E com isto ao desenvolvimento de novos processos e novas ideias e práticas para a última milha (física).
Se no Reino Unido a concorrencialidade aumenta, bem como a dimensão dos intervenientes, haverá várias questões que se colocam igualmente a players como a Lidl e a Aldi no mesmo Reino Unido. O nível de concorrência e a dimensão dos players retiram algum interesse, por exemplo, a outras cadeias que quererão, igualmente, expansão e dimensão.
Não é novo o interesse da Lidl e da Aldi, por exemplo, na Polónia. A Aldi alargou sortido recentemente e apostou em frescos. A Lidl investe na renovação do seu parque de lojas. Não se julgue, pois, que a elevação da concorrencialidade e players de maiores dimensões no Reino Unido não terão influência noutros mercados, nomeadamente no mercado polaco que tanto diz à nossa Jerónimo Martins. E, para players maiores que a Jerónimo Martins, essencialmente a primeira “coroa” de países de Leste desperta agora mais interesse (mais dinâmica e com maiores poderes de compra: Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Croácia). Com epicentro na Polónia: Porquê? Simples. Porque players maiores em mercados mais maduros e sofisticados retiram algumas hipóteses de crescimento. Players grandes mas não tão sofisticados em mercados emergentes, ainda na Europa, podem ser a grande opção para cadeias como as trazidas à colação: Lidl e Aldi, entre outras.
Repare-se que a Jerónimo Martins (JM) precisa de consolidar operações (leia-se processos) na Polónia. Porque a Polónia (como epicentro desta “coroa” de Leste) se irá tornar, genericamente, um mercado mais e mais atrativo e, por sua vez, cada vez mais sofisticado. Tem dimensão, começa a ter dinheiro, cresce, é estável em termos económicos, no fundo, é interessante. Nada que a JM não previsse. Mas um mercado onde players como a Lidl e a Aldi procuram a pouco e pouco marcar posição e crescer (não obstante o ascendente alemão que, na Polónia, tem um efeito perverso – memórias da história). Adicionalmente, um mercado cada vez mais interessante para o e-commerce porque ainda com níveis de penetração baixos. E terreno fértil para experimentação de vários novos processos e novas ideias de última milha.
A JM beneficiou muito da aposta inicial, e arriscada, na Polónia (com todo o mérito e brilho). Porém, numa lógica de supermercado (e não numa lógica mais de conveniência, como o são a Zabka – soft franchise – ou a Lewiatan – um hard franchise de pequenos retalhistas tradicionais), a Lidl (ainda com pouco mais de 600 supermercados contra os mais de 2800 pontos de venda da Biedronka, Jerónimo Martins) e a Aldi poderão aproveitar esta nova parceria Sainsbury-Asda no Reino Unido para virarem agulhas e incentivarem ainda mais a sua presença em mercados ditos emergentes, como o polaco. Não esquecer, por exemplo, que depois da França, Alemanha, Reino Unido e Itália, a Polónia aparece como a Espanha do Leste europeu. Nenhum país lhe é superior em população exceto a Turquia e a Ucrânia (noutro campeonato europeu por várias razões que agora não vêm ao caso).
Ou seja, por tudo isto e mais algumas razões, mudando o xadrez europeu nos fast moving consumer goods no Reino Unido (já iria mudar, de alguma forma, por causa do Brexit) muito pode mudar no resto da Europa. O caso Sainsbury-Asda vem precipitar mudanças e apostas. E a Polónia (bem como outros países de Leste da famosa primeira “coroa”) pode vir a ser um mercado interessante para muitas e novas aventuras: centralidade, e-commerce, investimentos, mesmo novas compras. À Jerónimo Martins convém muito ter em mente dois aspetos: movimentos oportunistas dos seus concorrentes (parcerias e fusões e aquisições) e procura da melhoria continuada das suas operações, o que exige investimento. Não descurando o e-commerce que irá igualmente – goste-se ou não – intensificar-se na Polónia e restantes países de Leste mencionado. E que já vale, na Polónia, mais de 6 mil milhões de Euros. Em Portugal, por comparação, valerá cerca de 4,5 a 5 mil milhões de euros. Ora o potencial, para uma população de quatro vezes a portuguesa, está todo lá. A Polónia, entre outros, é um mercado a não perder e onde se deve investir forte nos próximos anos.
Dir-se-ia, de forma muito simplista, que a guerra se ganhará pela antecipação e estabilidade dos processos e pela forma como as operações souberem tirar partido de um território e suas idiossincrasias. E, como o poder de compra não é o mesmo dos países do centro da Europa, os modelos discount serão críticos no Leste – as operações jogam aqui um papel absolutamente decisivo.
Este movimento Sainsbury-Asda pode ser, metaforicamente, a antecâmara de um efeito Lorenz ou de borboleta: um simples bater de asas num ponto do globo (Reino Unido, ao caso) pode criar uma grande “tempestade” noutro. Neste caso, e bem vistas as coisas, a saída da Walmart e a ligação da Sainsbury à Asda pode afastar outros players do Reino Unido que também têm interesse em ganho de dimensão. Afastar esses players de um dado mercado pode fazê-los focar noutro ou noutros mercados. E um deles, pelo potencial, pelas características, pela necessidade de sofisticação nas propostas, por ter 40 milhões de habitantes e por ser a Espanha potencial do Leste Europeu é a Polónia. E na Polónia temos – como referido – a nossa mais que emblemática Jerónimo Martins com a insígnia Biedronka.
Atenção pois à borboleta porque a dinâmica dos sistemas abertos, complexos e adaptativos pode, ao mexer-se no Reino Unido, apresentar disrupções noutros mercados.
Para terminar, a própria Tesco, na sequência deste movimento da Sainsbury-Asda pode passar a olhar com outros olhos para o mercado polaco onde, de resto, já está e não da forma mais auspiciosa pois prevê fecho de lojas não rentáveis. Na verdade, a Tesco pode reduzir a participação na Polónia por causa da intensificação da concorrência no Reino Unido (deixando mercado para outros players) ou, ao contrário, pode resolver reforçar ou comprar na Polónia uma vez travada pela Sainsbury-Asda no Reino Unido. As posições no Reino Unido, e mesmo nos EUA, virão, pois, ditar a dinâmica dos vários players da Europa de Leste.
Será importante, portanto, para a Jerónimo Martins que comece a cenarizar os próximos capítulos para não ser apanhada na curva. Talvez a Oeste não haja nada de novo. Mas a Leste certamente que haverá.
Professor Catedrático, NOVA SBE – NOVA School of Business and Economics; crespo.carvalho@novasbe.pt