Num par acção-reacção os sentidos das forças são opostos, conforme Newton demonstrou e diariamente vemos: os desmandos do PS exacerbam os já de si exacerbados populismos, pondo-nos, uns e outros, em perda democrática. Estes pares constituem uma Lei que se tem provado através história. E esta moldura funcional, acção-reacção, é uma das que podemos usar como instrumento preditivo. Já o disse, e direi quantas vezes forem necessárias, estamos numa senda de radicalização e populismo semelhante à francesa, com a diferença de sermos um país pobre e periférico.
O Vox, aqui ao lado, Le Pen, uns quilómetros depois, Orban na Hungria e os transatlâncios trumpistas, bolsonaristas, maduristas, só para apontarmos as super-evidências, colaboram na destruição do tecido democrático, e não deixam de ser extensões protésicas de Putin, como qualquer oligarca o é, ou qualquer site ou colunista que espalhe a desinformação, de forma mais ou menos organizada.
Esta corrosão das democracias, hoje visível, não é, no entanto, de hoje. As democracias liberais sofreram violentos embates que superaram: o fascismo; o comunismo; as crises do fim dos anos 60. E convém recordar: as democracias liberais são recentes, a nossa história é uma história séculos de tiranias variadas. A superação da crise que agora vivemos não está garantida. Antes pelo contrário: o crescente elemento tecnológico está a ser muito bem utilizado por quem se lhes opõe.
É fácil identificarmos as cleptocracias e as autocracias. Ou o perigo do uso perverso da tecnologia. As ameaças externas. A inflação, por exemplo, nunca foi amiga das democracias. E as ameaças internas? São assim tão fáceis de identificar?
As democracias liberais são, em simultâneo, flexíveis e resistentes, tanto devido aos seus próprios constituintes, e o sistema de pesos e contrapesos, como ao seu apelo de liberdade que ecoa fundamente em cada um de nós. Mas não são incorruptíveis. E quando às ameaças externas se somam os desmandos internos, cria-se um círculo vicioso e de realimentação entre ambos. E é isto que temos visto nos últimos anos e existiu subterraneamente antes de emergir. O «melhor» modelo de perda democrática, pela sua exuberância, é o da América de Trump, conspiracionista e inconstitucional, onde, com a facilitação das redes sociais, o populismo foi instrumentalizado com o objectivo de cindir e polarizar – o populismo passou de uma ideologia a uma técnica e uma estratégia cuja propagação é viral. Vimos, e vemos, a tecnologia, ao serviço da desinformação. Brasília foi só uma reprodução daquele quadro. Duas desgraçadas opções, Lula e Bolsonaro, favorecem um ciclo de corrupção-populismo-perda democrática, enquanto o país se fractura.
E nós?
Sabemos que a UE não é um garante das democracias liberais por muito que promova a sua manutenção – essa lição foi aprendida com a Hungria e com a Polónia e a crescente França de Le Pen, e nem conto com o que ainda está por aprender: a lição de Mélenchon.
Ao contrário da ópera bufa de António Costa e Santos Silva, no parlamento como em qualquer oportunidade, não é o Partido Socialista quem contém os populistas portugueses, venham eles do Chega ou do Bloco ou de qualquer zona residual. É este Partido Socialista, este de António Costa, este dos herdeiros de Sócrates, quem alimenta o populismo à boca enquanto grita lobo, lobo!
Esta maioria absoluta de imobilismo, de infiltração na coisa pública, da multiplicação imparável de «casos e casinhos», de opacidade impenetrável, o caso TAP é dela exemplar, não se regenera, e poderia tê-lo feito na recente remodelação. Pior, não nos governa apesar de mandatado para tal. Governa-se. E à sua facção. E não há formulário que o contenha.
Temos sido maus pastores da nossa democracia. Ésopo foi claro como Newton: um lobo chama outro lobo, mesmo quando usa pele de ovelha.
A autora escreve segundo a antiga ortografia