Marta Temido deu, cheia de entusiasmo, o seu apoio à possibilidade de António Costa se tornar Presidente do Conselho Europeu. Perante as hesitações de Sebastião Bugalho e a oposição de Cotrim Figueiredo, disse que a “Europa de Costa” seria muito boa para a União Europeia. Obviamente, nunca explicou o que é a “Europa de Costa”; nem podia, porque essa Europa não existe. Mas opôs a suposta “Europa de Costa” à “Europa de Meloni” e à “Europa do PPE.”

Apesar do esforço intenso que terá feito nas últimas semanas para aprender algumas coisas sobre a União Europeia, o conhecimento de Marta Temido é ainda bastante sofrível. Até aquele rapaz do Livre, apesar de paupérrimo, ainda consegue saber um pouco mais do que a antiga ministra e disse-lhe que o Parlamento Europeu nada tem a ver com a escolha de Costa. Sebastião Bugalho também lhe explicou que os deputados europeus não votam no Presidente do Conselho Europeu.

Mas quem vota para a presidência do Conselho Europeu são os líderes dos governos nacionais. E é aqui que Marta Temido e muitos dos seus camaradas socialistas devem aprender alguma coisa. Desde logo, o maior número de primeiro ministros da União Europeia é do PPE. Isto significa duas coisas. Uma, não está garantido que o Presidente do Conselho Europeu seja um socialista. Aliás, em 27 líderes, apenas 4 são socialistas (Alemanha, Dinamarca, Espanha e Malta). Por que razão 23 líderes de outras famílias políticas aceitam votar num socialista? Podem decidir que o próximo Presidente do Conselho Europeu é do maior grupo político no Conselho Europeu, o PPE.

Não basta o Presidente da Comissão Europeia ser do PPE para, automaticamente, o Presidente do Conselho Europeu ser socialista. Não há uma espécie de Tratado de Tordesilhas entre PPE e socialistas para dividirem as presidências entre si. Em 2009, o primeiro ano em que se escolheu um Presidente permanente do Conselho Europeu, a escolha foi em Von Rompuy, antigo PM belga e do PPE, apesar do Presidente da Comissão, Durão Barroso, ser igualmente do PPE. Cinco anos depois, em 2014, aconteceu o mesmo. Juncker foi eleito Presidente da Comissão e Tusk foi escolhido Presidente do Conselho, ambos do PPE. Em 2009 e em 2014, o argumento foi o mesmo: a maioria dos membros do Conselho Europeu é do PPE, por isso o Presidente também é. Pode acontecer o mesmo agora em 2024.

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Mas há um segundo significado. Para ser escolhido Presidente do Conselho Europeu, Costa terá que fazer campanha para conquistar os votos dos líderes do PPE, mas também de Orban e de Meloni, dos Conservadores europeus (formalmente, Orban não está em qualquer grupo desde que abandonou o PPE). Se não for de mais para a sua sensibilidade socialista, Marta Temido terá que perceber que Costa está a pedir aos PMs do PPE, a começar por Montenegro, mas também a Orban e a Meloni para votarem nele.

Costa vai rapidamente abandonar a “Europa de Costa” (imaginada por Marta Temido) para adoptar as “Europas” do PPE, de Orban e de Meloni. Nas capitais de governos do PPE, Costa vai concordar com o cepticismo em relação às políticas verdes. Nas reuniões com os líderes dos governos da família liberal, vai concordar com menos impostos. Em Roma, vai concordar com Meloni em relação à emigração. Em Budapeste, até é capaz de mostrar alguma compreensão em relação a Putin, e será céptico em relação à adesão da Ucrânia.

Costa não é de esquerda, nem é de direita, não é socialista, nem liberal, nem conservador, nem nacionalista. É um mestre da “realpolitik”. Por isso, alia-se a quem for necessário para chegar ao poder. É o mesmo, em Lisboa ou em Bruxelas. Há uma grande ironia no meio disto tudo. Em Portugal, Marta Temido e os socialistas vão fazer campanha contra o PPE (AD), contra o liberalismo, contra Meloni e contra Orban (Chega). Mas na Europa, Costa está a tentar conquistar os votos dos líderes das famílias políticas da AD, da IL e do Chega.