Na apresentação do Orçamento do Estado que foi chumbado em 2021, o Primeiro-Ministro falou na “gratuitidade geral” das creches.

Mas a realidade do Orçamento do Estado para 2022 limita este acesso. Convido o leitor a acompanhar as condições de acesso.

  1. Se a sua família tiver crianças inscritas numa creche privada não tem acesso a esta medida. Se for uma creche com acordo de cooperação com a segurança social vale a pena continuar a ler a lista de requisitos.
  2. Caso a criança tenha mais que um ano de idade nunca será abrangida por esta medida. Porque só em 2023 é que serão incluídas crianças com 2 anos. Sendo que em 2024 estarão incluídas crianças com 3 anos de idade. Portanto, qualquer família que tenha crianças com 2 ou mais anos de idade nunca será abrangida por esta medida.

Estes dois últimos requisitos limitam, e muito, o acesso. Ainda assim as limitações não terminam aqui.

  1. A gratuitidade exige igualmente que as famílias abrangidas pertençam ao 2º escalão de rendimentos da comparticipação familiar. Ou seja, têm que pertencer ao 1º ou 2º escalão que existe para efeitos de atribuição de abonos. Por isso, se o seu agregado familiar tiver um rendimento em 2021 superior a 6.143,34 euros anuais então a sua família não estará abrangida.

É evidente que são poucas as famílias que conseguem superar este “apertado crivo” legislativo. Mas, existem outras limitações, ainda que não sejam impostas pela lei.

  1. Será ainda necessário conseguir que exista uma resposta numa rede da segurança social que tem uma taxa de cobertura de 48%. Sendo que nos distritos onde se situam as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto a realidade piora. De acordo com o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho do Solidariedade e Segurança Social a taxa de cobertura é abaixo da média no distrito de Setúbal que conta com 45%, Lisboa 44% e o Porto tem a pior percentagem com 35%.

Nestes quatro pontos percebe-se que não existe a prometida gratuitidade geral das creches, nem no Orçamento do Estado nem em qualquer outra lei.

Na realidade só existe a Lei 2/2022, de 2 janeiro que beneficia poucas famílias e que utilizará uma rede de creches que tem pouca capacidade para as necessidades.

Para existir a prometida gratuidade geral esta medida teria que abranger a totalidade ou a maioria de um conjunto de famílias e não uma pequena minoria.

No Parlamento o PS chumbou as propostas do PSD que determinariam um aumento do universo das famílias abrangidas. O PS o votou contra uma proposta que defendeu e prometeu na campanha eleitoral. E esta proposta contou com quase os votos favoráveis dos restantes partidos da oposição de esquerda e de direita. Exceto a Iniciativa Liberal que se absteve e não percebe ou conhece que solução propõe.

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O PS utilizou este tema como bandeira eleitoral, mas o resultado no Orçamento do Estado desilude. É evidente que este tema capta o interesse das famílias considerando o peso das creches nos custos associados aos filhos. As famílias em Portugal têm encargos significativos face o nível de rendimentos.

Numa família de classe média baixa, nos primeiros 25 anos de vida de um filho, os pais gastarão cerca de 236,446 euros mensais. E numa família de classe média alta, cada filho, até aos 25 anos, custará 678,875 euros mensais. Estes são número de um estudo da Universidade de Coimbra realizado em 2008.

Os números deste estudo de 2008 (fornecidos pelo economista Barbosa de Melo e trabalhados pelo psicólogo Eduardo Sá) ajudam a perceber uma das razões que conduzem à realidade cada vez mais dramática da natalidade em Portugal.

A comparação entre os dois últimos Inquéritos à Fecundidade realizados pelo INE é reveladora do problema de natalidade em Portugal. Em 2019, 42,2% das mulheres dos 18 aos 49 anos e 53,9% dos homens dos 18 aos 54 anos não tinham filhos. Em 2013 aquelas percentagens eram bastante menores: 35,3% e 41,5%, respetivamente.

Mas sublinhe-se que acima dos 30 anos, mais de metade dos homens e mulheres, em todos os escalões etários, tinham menos filhos do que queriam segundo o inquérito de 2019 do INE.

Portanto, o problema da natalidade em Portugal não é exclusivamente uma questão de vontade, mas maioritariamente de possibilidade financeira para os portugueses terem filhos.

O Conselho Económico e Social sobre a quebra da natalidade em Portugal indica a gratuitidade das creches como um dos pilares para a solução deste problema.

É uma medida que o Portugal precisa, que reúne apoio nos partidos da oposição e que o PS prometeu na campanha.

É provável que o PS não tivesse o mesmo número de deputados se os eleitores soubessem que esta seria uma promessa que António Costa não iria cumprir.

A maioria absoluta do PS arrisca-se a colocar Portugal num caminho de estabilidade governativa que conduz o país a uma miragem de promessas eleitorais por cumprir.