O tema em título permite responder parcialmente à situação em que o país se encontra. O que vivemos hoje é o reflexo de um Governo que não planeou a terceira vaga da pandemia e não tem estratégia para sair da atual situação. O Governo desistiu de governar.

Esta desistência não ocorre porque o Governo “baixou os braços”. Mas, antes, porque se ocupou com outros temas, secundarizando ou até mesmo terceirizando o combate à pandemia que deveria ser uma prioridade governativa.

Há três grandes temas que ocupam o Governo em detrimento do combate à pandemia: a negação dos erros governativos, o apoio parlamentar de outros partidos e a sucessão de António Costa.

“Os erros são um facto da vida, é a resposta ao erro que conta”. Esta frase, da poetisa Nikki Giovanni, aponta a razão pela qual a qualidade governativa tem diminuído abruptamente. Este Governo não assume os erros. Pelo contrário, nega-os e perde-se em justificações que prolongam polémicas e enfraquecem a autoridade que é necessária para liderar o esforço nacional de recuperação.

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A “auto negação” dos erros que o Governo comete assume diferentes formas. O que aconteceu com o ex-ministro Mário Centeno, que saiu no meio de uma pandemia e da “trapalhada” do Novo Banco para o “premiado” lugar de Governador de Banco de Portugal, foi uma situação que nos alertou para a forma como o Primeiro-Ministro vê a sua função. Gestão de agenda política e colocação de pessoas em lugares chave pareceu ser a prioridade. A ministra da Justiça, que atira as culpas do caso da Procuradoria Europeia para um diretor nomeado pela própria, perdeu toda a autoridade. Depois temos o ministro Tiago Brandão Rodrigues, que foi ruinoso no processo de encerramento das escolas (fecharam tarde e sem os prometidos meios para o ensino à distância), mas que continua convencido que está certo, mesmo com todo o resto do país contra ele. E o mesmo ministro atuou de forma inqualificável quando quis proibir o ensino nas escolas privadas, tendo apenas sido “ultrapassado” por António Costa, que negou que o ministro da Educação alguma vez tivesse feito tal proibição. A mentira foi de tal ordem, que até programas de humor já parodiam a relação do Primeiro-Ministro com a verdade.

Estes erros não retiram apenas a autoridade moral aos ministros que os cometem. Quando se mantêm em funções, em vez de se demitirem, ficam politicamente enfraquecidos e os seus ministérios funcionam pior. Adicionalmente, enfraquecem também a autoridade moral do Primeiro-Ministro para com os restantes membros do Governo, permitindo margem para erros graves sem consequências para os ministros. A ministra da Saúde é um exemplo de vários erros graves sem que o Primeiro-Ministro tenha margem para a responsabilizar: porque o Governo não assume erros, nega-os e, por isso, os ministros não se demitem.

Por outro lado, a solução governativa que o PS encontrou para viabilizar o Governo ocupa o tempo da agenda política de forma a acomodar um leque variado e disperso de ideias de outros partidos. O resultado é um consumo de tempo e meios com temas que não estão relacionados com a atual prioridade do país. Um simples olhar para as propostas negociadas e aprovadas entre o PS, o PCP, o PAN e as duas deputadas não inscritas permite chegar a esta conclusão.

Esta aceção torna-se ainda mais clara, porque em novembro já se sabia que existiria uma terceira vaga. Mesmo sem conhecer as características da estirpe inglesa da Covid-19, a Europa sabia que seria atingida por uma terceira vaga desta doença. Contudo, as principais medidas anunciadas pela gerigonça 2.0 não abordaram a terceira vaga, que será o evento com maior impacto sanitário e socioeconómico de 2021. Logo, será também a circunstância com maior impacto orçamental em 2021, mas esteve ausente dos anúncios que resultaram das negociações orçamentais.

Por último, a sucessão de António Costa. Pode parecer temporalmente precoce, contudo, o PS é um partido que tem cultivado a ambição de ter e manter o poder. Este padrão só se torna erróneo quando o PS parece mais preocupado em gerir o poder em detrimento do país. As incursões públicas do ministro Pedro Nuno Santos seguem esse padrão, surgindo ,nos últimos meses, mais vezes na comunicação social como putativo candidato a secretário-geral do PS do que como ministro das Infraestruturas e da Habitação.

Ainda assim, mesmo quando Pedro Nuno Santos falou publicamente como ministro das Infraestruturas e da Habitação, fê-lo distanciando-se do Primeiro-Ministro, como o foi no caso do dossier da TAP.

Ou seja, um dos dossiers mais importantes para o país levou a divergências públicas entre o Primeiro-Ministro e Pedro Nuno Santos quando a hipótese do plano de recuperação da TAP vir a ser votado no Parlamento foi afastada por António Costa. Este episódio serviu a disputa pelo poder no PS, mas não serviu o país.

Aquilo a que assistimos hoje, é a um Governo que desistiu de governar por força de tudo o que o PS faz para se manter no poder.

António Costa tem ministros que mereciam ser demitidos, um Orçamento do Estado esdruxulamente negociado e uma luta aberta pelo poder no partido. Esta circunstância resulta das opções do partido socialista e retiram espaço de governação para o combate à pandemia.

A grande prioridade nacional deve ser o combate à pandemia: pior do que a demissão de um Governo é ter um Governo em funções que não combate a pandemia.