O volte-face nos projectos de construção do novo aeroporto, que deverá servir a capital portuguesa, é mais um episódio lamentável da história longa de um país incapaz de tomar decisões estratégicas.

Esta é uma decisão que rola na agenda política nacional desde, pasme-se, 1969. Cinquenta e dois anos! E agora voltamos à estaca zero.

Contado, ninguém acredita. Como é possível que um país europeu, supostamente desenvolvido, não consiga tomar uma decisão eficaz, num investimento desta importância, em mais de meio século? Infelizmente, em Portugal não só é possível, como já aconteceu noutras decisões estratégicas, como foi o caso do Alqueva.

Pergunta-se, então, qual é o problema? A verdade, nua e crua, é que os governos que ao longo destes anos todos tomaram conta dos destinos do país agiram, nesta como noutras matérias, como o pior dos cábulas da turma.

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Não estudaram. Não consultaram os melhores especialistas técnico-científicos. Não ouviram os avisos que, mesmo assim, os tais especialistas foram dando. E preferiram decidir com base em conveniências políticas e satisfação de lobbies.

O resultado está à vista. Qualquer chefe de projecto de uma empresa que tomasse decisões assim já tinha sido colocado no olho da rua. E se este profissional tivesse ousado gastar milhões para tomar decisões erradas estaria a responder em tribunal por gestão danosa. Ao nível do governo do Estado tudo isto passa tranquilamente e sem consequências, como se não tivessem já sido atirados para o caixote do lixo milhões de euros em estudos para um aeroporto ilusório que em 52 anos ainda não apareceu.

Uma estimativa por baixo dá conta de, pelo menos, 200 milhões de euros gastos em estudos para um aeroporto que primeiro era na Ota, uma impossibilidade prática de acordo com os especialistas. Depois passou para o Montijo, um aeroporto que antes de nascer já estaria ultrapassado de acordo com todos os estudos. E que agora volta à estaca zero, com outras velhinhas opções a serem estudadas uma e outra vez. Alcochete, Rio Frio e Beja voltam novamente a aparecer nos títulos de jornais.

Do ministro “jamais” ao ministro que ameaçava pôr as pernas dos alemães a tremer, passando por vários ministros do PS, do PSD e do CDS e outros tantos primeiros-ministros, os milhões foram caindo no saco roto. E o aeroporto ”jamais”.

A verdade é que o poder político adora falar nos estudos e nas melhores decisões técnicas, mas, verdadeiramente, o que faz é tornar a ciência refém da conveniência política de curto prazo.

É, aliás, o que está a acontecer com a gestão da pandemia, onde a publicidade das famosas reuniões do Infarmed não tem coincidido com tomadas de decisão baseadas nas melhores práticas. A exposição pública tornou os cientistas reféns dos políticos, obrigando-os a fazer o seu trabalho sob pressão mediática, longe do recato dos gabinetes e laboratórios onde devem trabalhar.

E perguntamos tantas vezes porque é que a Europa não é solidária com Portugal? Porque será?