Por estes dias, e a celebrar um ano de implementação do Estatuto do Cuidador Informal, temos notícias de que o subsídio para esses cuidadores chegou a 383 pessoas. Sim, menos de 400 pessoas, leram bem, não é gralha.

Num país com centenas de milhar de doentes crónicos de todas as idades – da pediátrica à geriátrica – e de variada patologia – doenças neurológicas degenerativas, demencias, AVC’s, cancro, insuficiências de orgão avançadas – estima-se que tenhamos actualmente mais de um milhão de cuidadores informais – familiares, vizinhos, amigos. Com a pandemia, este número certamente aumentou, pois houve mais doentes para apoiar, respostas sociais que fecharam e desemprego que não as permitiu pagar. Quantos cuidadores forma apoiados com subsídio específico? Menos de 400!

Estes cuidadores prestam cuidados não profissionais e não remunerados, mas que envolvem cerca de 80% das necessidades das pessoas doentes de que cuidam e podem implicar mais de 6-8 horas por dia. O seu contributo activo tem um valor social inquestionável e elevadíssimo. Que seria deste país, deste enorme universo de pessoas cuidadas, se não existissem outros tantos que cuidassem abnegadamente, dia após dia e por períodos que podem ultrapassar os 10 anos em permanência? Curvo-me perante estes heróis e, sobretudo, heroínas do quotidiano, e lamento, com enorme vergonha alheia, o pouco que este país tem feito para os respeitar e tratar com dignidade, a eles e aos seus entes queridos.

Convivo com eles há quase trinta anos, sou eu própria uma delas há cerca de 20 anos, e tenho a perfeita noção de que, quer antes, quer já nos 10 anos de deputada no Parlamento e também agora, tentei fazer a minha parte para trazer luz, para concretizar medidas numa matéria que tantos tratam e sentem como estranha ou incómoda.

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Aqui chegados, podem questionar o motivo da expressão da minha enorme indignação, para dizer apenas isto. Porque conheço bem de perto esta realidade, não falo ou escrevo sobre ela, mas vivo nela. Porque assisti no Parlamento a todo o malabarismo político da esquerda que quis fazer um brilharete com o magro estatuto do cuidador aprovado e “ficar bem na fotografia”, que usou estas pessoas para propaganda, que as defraudou e desde há um ano lhes continua a oferecer migalhas! A montanha pariu um rato e o que vemos da parte deste tão hábil Governo é uma – não, mais uma –  mão cheia de nada. Insisto, quão fácil é fazer leis, talvez até em nome de uma pseudo-dignidade, para depois não terem capacidade de executar o que é prometido e devido na dimensão necessária. Ajudar a viver com dignidade aqueles que têm doenças crónicas ou são mais vulneráveis e aqueles que deles cuidam é que é difícil e, para isso, para fazer o que é difícil, esta governação não serve.

No caso em presença, da atribuição dos subsídios aos cuidadores, é bom dizer que a regulamentação do estatuto colocou tantos entraves e dificuldades, que a maioria das pessoas desiste de o pedir ao conforntar-se com elas. Que o digam muitas assistentes sociais de várias instituições de apoio social, hospitais ou centros de saúde, também elas merecedoras do meu enorme respeito, que gastam horas infindas para ajudar famílias e depois… nada.

Foi confirmado recentemente, através dos primeiros resultados do último Censos, o envelhecimento da nossa população, a diminuição da população mais jovem – e que virá a ter de desempenhar as funções de cuidador/a – e a concentração populacional na faixa litoral e grandes centros urbanos. Serve isto para introduzir a questão de quantos precisam de ser cuidados e quantos cuidam aqui em Lisboa, e de que condições dispõem para Viver com Dignidade. Numa cidade como a nossa, com quase 30% da população idosa, apoiar quem cuida e pode fazê-lo no domicílio tem que ser uma prioridade cívica e política. Insisto, a questão não se põe apenas com idosos – há crianças e jovens em elevado número -, mas serão eles a porção mais numerosa.

Um subsídio não representa tudo, mas é claramente devido e bem-vindo. Outras propostas concretas, passar das palavras aos actos, é o que é fundamental. Uma rede alargada de cuidadores informais (apresentada há quatro anos e executada numa freguesia-piloto), redes de voluntários, programas de capacitação dos cuidadores, acessibilidade a cuidados clínicos no domicílio e seguros de saúde para os carenciados, programas de responsabilidade social por parte de empresas, envolvendo pessoas mais dependentes. Isto sim, tem que acontecer, para mencionar apenas algumas medidas que já tardam.

Pelo dever cívico, pelo conhecimento profissional e de vida, continuarei a acompanhar esta temática. O tempo da propaganda já dura há muito, agora é hora de virem novos tempos.