A Conferência de Segurança de Munique, que decorreu virtualmente esta semana, foi quase como um presente para a Europa. Joe Biden, pela primeira vez desde Clinton, veio oferecer aos Europeus – União Europeia e países em particular – uma proposta de parceria quase irresistível.
Vamos por partes. O novo presidente norte-americano fez tudo como manda o figurino: reafirmou o compromisso norte-americano com a integração europeia e com a NATO e garantiu o seu empenho no Artigo V do Tratado do Atlântico Norte. Sem qualquer ambiguidade. Mas fez mais que os seus antecessores: colocou o laço transatlântico no centro da política externa norte-americana. Ainda que já houvesse pistas de que esta seria uma possibilidade, é a primeira vez desde o 11 de setembro de 2001 que isto acontece. George W. Bush preferiu o Médio Oriente e as coligações de vontade, Barack Obama iniciou (e terminou) o seu mandato com todas as fichas apontadas para a Ásia, e Donald Trump, pouca ou nenhuma atenção deu à Europa, e quando o fez foi geralmente para dar dores de cabeça.
Para que não haja dúvidas, estamos a falar de política, por isso há um preço a pagar. Desta vez o consentimento tem duas vertentes: considerar a China e a Rússia adversárias que têm que se combater, e ter um papel pró-ativo na gestão das crises internacionais. Pandemia, recuperação económica, combate às alterações climáticas e apoio à reestruturação das instituições internacionais, especialmente as económicas que têm permitido a Pequim beneficiar de um estatuto de país em vias de desenvolvimento, com vantagens competitivas superiores ao Ocidente. Com a cooperação internacional, a Europa está à vontade. É o seu ambiente preferido. Com a competição internacional, muito menos. Mas já lá vamos.
Ora o discurso da Conferência de Segurança de Munique desperta duas questões essenciais: a primeira é, porque é que a nova administração quer fazer do laço transatlântico o centro da sua política externa? E como é que os estados europeus viram esta proposta?
Relativamente à primeira pergunta, a resposta é múltipla: passará por uma questão de convicção ideológica do presidente e da sua administração, que veem a relação transatlântica como um dos maiores e mais duradouros sucessos da política externa norte-americana. Passará também por uma questão de legitimidade internacional – as democracias voltaram a ter o papel principal na ordem que Joe Biden quer construir – e de crença que qualquer comunidade democrática tem de ter no seu núcleo a relação transatlântica. Há ainda o aspeto geopolítico. Esta administração sabe que enfrenta adversários formidáveis – nomeadamente a China – e quer organizar o mundo livre para os conter. Sem os mais antigos e fiéis aliados, uma frente democrática contra as autocracias nunca terá o mesmo tipo de credibilidade. Mais: Biden, o Cold Warrior, encara a rivalidade com a China e a Rússia como um jogo de paciência estratégica. Sabe que esta se manterá muito para além do seu mandato, e que é preciso criar raízes sólidas se os Estados Unidos quiserem manter-se como grande potência. E não há nada mais sólido do que setenta anos – interrompidos nos últimos quatro – de uma comunidade de democracias.
Visto desta perspetiva – e vamos à resposta à segunda pergunta – a Europa tem uma oportunidade de ouro. Mas a sua resposta tem sido bastante ambígua. Há um receio genuíno que esta disposição dure apenas quatro anos, e que depois desse período a relação transatlântica volte a ser uma nota de rodapé na política externa americana. Mas também há países, nomeadamente a Alemanha, capturados por interesses económicos fortemente relacionados com os russos e chineses, incompatíveis com a agenda anti-autocrática de Biden.
A Europa chegou, pois, ao momento de escolher. Se prefere ganhos económicos a curto prazo com Moscovo, que politicamente quer a sua decadência, ou com Pequim, que quer a sua subordinação. Ou aceitar a proposta inequívoca de Biden e ter a possibilidade – não a garantia – de voltar a ter um papel internacional. Com o bónus de ter quatro anos de alívio, nos quais pode dedicar-se a outro tema de que foge sempre que pode: a sua autonomia securitária. Esperemos que saiba pensar a longo prazo.