A TAP é muito mais do que uma sociedade comercial. Não conheço nenhuma outra empresa (futebol à parte) que desperte tantos sentimentos como a nossa TAP. De um lado, pessoas que com imenso carinho falam da TAP enquanto património de Portugal, para quem a nossa TAP é a melhor companhia aérea do mundo! Do outro lado, pessoas para quem a TAP é o diabo. É a pior coisa que existe no nosso país. E inventam, difundem ou acreditam em mentiras que devem ser combatidas.
Exemplificativamente, tomou-se como certo que os trabalhadores da TAP têm imensas regalias em face a pessoas que laboram noutras empresas. Quando tenho paciência, em conversas de amigos, insisto para que me digam a que regalias se referem: invariavelmente, percebemos que falamos de um seguro de saúde – na mesma linha do que acontece em muitas outras profissões. Mas têm viagens grátis! É mentira: existem facilidades de passagem que permitem a um trabalhador da TAP (e, já agora, da esmagadora maioria das companhias aéreas no mundo) embarcar num voo, pagando todas as taxas, se sobrarem lugares disponíveis, e não lhe sendo garantida sequer a refeição a bordo. Mas existe uma creche para os filhos dos trabalhadores (paga em proporção do ordenado e com listas de espera enormes que inviabilizam que a maior parte possa usufruir dessa realidade). Mas eles estão sempre de folga! O que é sempre? É dois dias após um voo de oito ou nove horas, que atravessou três ou quatro fusos horários, feito em privação do sono e que, invariavelmente, deixa o tripulante praticamente de cama no dia em que chega? Na realidade, a explicação para algum ódio é simples: inveja. Que sorte que tem a Rita de estar no Rio de Janeiro em Dezembro – e rapidamente nos esquecemos que a Rita, nesse ano, pode estar a passar o Natal, longe da família, trancada num hotel em Luanda. Isso não interessa. Nem a falta ao primeiro aniversário do filho, à festa na escola e ao aniversário da avó.
Essa falta de objetividade tem toldado o raciocínio sobre a necessidade de intervenção do Estado na TAP e, bem assim, sobre a magnitude do plano de reestruturação. Eu aceito, de bom grado, discutir a intervenção que o Estado deve ter na economia. Uns acham que deve existir um canal público, outros não. Uns defendem a Caixa Geral de Depósitos enquanto uma empresa pública, outros consideram que é para privatizar. Alguns ficam doentes com as privatizações nos correios ou na rede energética, outros acham que é boa ideia. Podemos ter essa discussão. Mas não é este o momento.
Os dados são o que são: a TAP passou de 11 para 17 milhões de passageiros anuais em 5/6 anos. Aumentou o número de trabalhadores, renovou a sua frota, tornando-a mais rentável e ecologicamente mais sustentada. Passou a voar para muitos mais destinos e tornou-se um ativo estratégico essencial para o país, chave para o desenvolvimento turístico, enfim, uma peça nuclear no que tem sido o reposicionamento económico de Portugal, alavancado no turismo e nas exportações. Ah, mas a TAP só dá prejuízo! Mais um mito, mais uma mentira. Nenhuma companhia aérea numa fase de crescimento e de renovação dá lucro. Aumentam as receitas e aumentam as despesas. O prejuízo que a TAP deu, no ano passado, foi de 100 milhões de euros que é menos do que o preço de um A321 NEO, ou seja, bastava a TAP comprar menos um avião e teria dado lucro. Não é relevante um prejuízo contabilístico de 100 milhões de euros no contexto de uma companhia aérea. Eu sei que é difícil de explicar (e ainda mais de entender), mas é razoavelmente indiferente uma companhia aérea dar 100 milhões de prejuízo ou 100 milhões de lucro. Quanto falamos de “números grandes” perdemos, facilmente, a ordem de grandeza que está em jogo, mas para se ter uma ideia, é menos de um quarto do IRS pago pelos trabalhadores da TAP.
A TAP é too big to fail e mesmo que fosse uma empresa totalmente privada tinha de ter sido ajudada pelo Estado. Eu concordo com a Sra. Thatcher: não existem dinheiros públicos. O dinheiro do Estado é o nosso dinheiro. Serve para financiar os projetos de filiação das pessoas, para pagar subsídios de desemprego, para manter as propinas num valor tão baixo quanto possível, para construir estádios para o Euro 2004, para subsidiar os gabinetes de assessoria em câmaras municipais e na administração central e, também, para segurar empresas (sim, os bancos incluídos) que sejam vitais para o país.
Vejamos: só em impostos sobre o rendimento, o Estado recebe dos trabalhadores da TAP 400 milhões de euros por ano. Admito que em impostos sobre o consumo (e outros) sejam outros 400 milhões de euros. A TAP compra a empresas portuguesas qualquer coisa como 1200 milhões de euros todos os anos. Só aqui, temos 2 mil milhões de euros por ano. Mas não nos podemos esquecer que uma TAP falida representaria um acréscimo em despesas sociais por parte do Estado – subsídios de desemprego, etc., ao mesmo tempo que o consumo levado a cabo por esses trabalhadores diminuiria brusca e sensivelmente e, em consequência, muitos negócios iriam falir ou, sendo menos drástico, veriam as suas receitas minguarem consideravelmente e, claro, também por aqui menos receitas para o Estado e mais despesas a saírem do Orçamento. Valerá a pena recordar a célebre frase de James Carville: É a economia, estúpido!
Mas se a TAP cair, virá outra para o seu lugar. Certo. Virá uma Easy Jet desta vida, que nunca terá um hub em Lisboa. Ou seja, a centralidade ibérica será em Madrid. Explicando de outra forma: perderíamos centenas de milhar de turistas. Era uma tragédia social mas, sem dúvida, uma tragédia económica. Não tenho, como é óbvio, um estudo aprofundado sobre os valores reais do impacto do fim da TAP, mas creio que, contas por baixo, não andarei longe ao afirmar que estaríamos a falar, tudo somado, de 3 mil a 4 mil milhões ao ano (cerca de 40% do orçamento de um ano para a Saúde). Por isso é que, de facto, intervencionar a TAP não só é um imperativo porque é uma empresa demasiado grande para falir, como é um bom investimento, porque, voltando à trajetória de 2019, o que o Estado injeta na TAP é recuperado em menos de um ano.
Do meu ponto de vista, a TAP tem que ser segurada pelo Estado, numa dimensão que seja suficientemente elevada para continuar a incrível trajetória de conquista de quota de mercado. Daqui por um ano, existem condições para uma retoma a sério e em 2022, senão se estrangular a TAP (com despedimentos, vendas de aviões, etc. ) existem condições para retomar níveis de 2019. Mas isso só é possível se não forem feitos os cortes absurdos que têm sido noticiados: dois mil tripulantes? 500 pilotos?
Se a TAP falir e ficarmos entregues a uma outra qualquer companhia aérea totalmente privada esqueçam os voos para as ilhas (nem a preço alto, nem a preço nenhum), vão buscar os portugueses presos noutros países quando estoirou a Covid-19 a nado, e mandem as vacinas por DHL. Sim, a TAP, além de ser economicamente viável (mesmo que tenha ocasionalmente prejuízo contabilístico), presta um serviço nacional. Que nós, como sempre, porque só olhamos para a galinha do vizinho, esquecemos.
O Governo bem andou em acudir à TAP. Mas será injustificável que o corte vá até ao osso. A TAP não pode, mesmo, ser uma TAPzinha. Se estava com umas gordurinhas a mais, faça-se um pequeno lifting. Mas não se dê uma facada dificilmente reversível. Que por uma vez sejamos corajosos, ousados e com soluções fora da caixa. Aos haters, se não querem ajudar, calem-se e deixem a TAP em paz, pá!