A Bielorrússia mereceu a atenção em três artigos do órgão oficial do Partido Comunista Português, mas em nenhum deles há uma palavra a condenar a violência policial do ditador Lukachenko. A culpa é toda da oposição e do Ocidente que ataca mais um regime “progressista”.
Na semana passada, na minha opinião do Observador sobre a situação presente na Bielorrússia, citei um artigo do jornal Avante que indiciava que o Partido Comunista Português iria mostrar uma vez mais que esta força política radical iria ser “consequente” e apoiar a falsificação das eleições presidenciais naquele país, bem como a forte onda repressiva contra a oposição. Recebi numerosos comentários a acusar-me de “tendencioso”, “mentiroso”, etc., etc. Segundo os comentadores, o texto apenas apresentava factos!
Claro que não fico à espera de pedidos de desculpa, pois uma das características desses comentadores é pertencer à casta da “suprema ideologia” que é o marxismo-leninismo-estalinismo.
Porém, é necessário analisar a forma como os “jornalistas” do Avante falsificam as notícias a fim de justificar a “esmagadora vitória” Alexandre Lukachenko. No artigo “Bielorrússia rejeita ingerências externas”, os comunistas afirmam: “Embora a candidata opositora, Svetlana Tijanovskaya – que após as eleições viajou para a Lituânia – tenha obtido apenas 10,1 por cento dos votos nas urnas, segundo a Comissão Central Eleitoral, logo na noite das eleições os seus apoiantes levaram a cabo protestos violentos na capital, repetidos nos dias seguintes. Dos choques entre estes grupos e a polícia resultaram feridos e detidos, em números que variam conforme as fontes”.
Eles partem do princípio que as eleições foram limpas e transparentes, tese muito duvidosa, e, depois, recorrem a um eufemismo quando dizem que Svetlana Tikhanovskaya “viajou para a Lituânia”. Ora é do conhecimento público que ela foi obrigada a sair do país. A seguir vêm mentiras quando acusam a oposição de levar a cabo “protestos violentos”, como se a polícia de choque de Lukachenko fosse constituída por santos defensores da legalidade democrática. Uma carga policial nos Estados Unidos ou França é para eles um símbolo da “repressão capitalista”, mas, na Bielorrússia, já é justificável.
Todos os três textos visam fazer-nos acreditar que tudo foi organizado a partir do estrangeiro, mais precisamente “por países vizinhos, pela União Europeia e pelos Estados Unidos”. Ou seja, as várias centenas de milhares de pessoas que saem para as ruas das vilas e cidades bielorrussas não passam de “fantoches” dos países capitalistas! E se fossem conduzidas pelo Partido Comunista, a única força política com “carta” para conduzir as massas?
Também não é surpresa o apoio do PCP à potencial invasão da Bielorrússia pelas tropas russas: “No dia 15, Lukashenko anunciou que acordou com Vladimir Putin que a Rússia ajudará a Bielorrússia a garantir a sua segurança, em caso de ameaças militares externas e se solicitado por Minsk, no quadro dos tratados existentes entre os dois países”.
E também para esta “missão libertadora” há justificação: “o teor do «programa» da oposição não deixa, aliás, margem para dúvidas do que realmente se pretende: a retirada do país das organizações internacionais euro-asiáticas e subsequente integração na União Europeia e na NATO, limitações significativas nas relações económicas, políticas e culturais com a Rússia e privatizações do vasto e valioso sector público bielorrusso”.
Para o PCP, os povos não têm direito a decidir como viver. Quanto à “subsequente integração na União Europeia e na NATO”, a líder da oposição nunca defendeu tal coisa. Ela defendeu relações mais equilibradas da Bielorrússia com a União Europeia e a Rússia, mas nunca defendeu a integração na NATO. Aliás, a oposição bielorrussa tem em conta a experiência da Ucrânia em 2014, quando parte do seu território foi ocupado pelas tropas de Putin.
As mentiras continuam: “entretanto, por mais que as grandes cadeias mediáticas o procurem ocultar, um pouco por todo o país estão a ter lugar manifestações de apoio ao actual presidente e ao processo político que encabeça. No domingo, 16, dezenas de milhares concentraram-se numa praça central da capital e a 18 realizaram-se grandes manifestações noutras cidades, como Gomel e Mogilev”.
Mas será que os jornalistas do “Avante” não veem televisão? Só isso poderá explicar o facto de eles não terem visto a cobertura televisiva das manifestações pró-Lukachenko nos canais informativos portugueses, para já não falar dos internacionais. Pena foi que, em Portugal, a comunicação social não tenha comparado os números de manifestantes nas iniciativas pró- e anti-Lukashenko.
No artigo “Democracia “a la carte””, o autor começa por escrever que “esta crónica não é sobre a Bielorrússia, nem sequer sobre mais uma revolução colorida que ali estará em preparação, seguindo o mesmo guião de outras. É sobre democracia ou, melhor dizendo, sobre o que o imperialismo realmente quer dizer quando fala em democracia”.
Porém, só quem se ficar pelos primeiros dois parágrafos não verá que todo o artigo visa justificar a política sangrenta do ditador bielorrusso. E para isso repete o velho rótulo da Ucrânia “fascizante”, caluniando todo um povo, tal como Estaline fez para reprimir chechenos, inguches, tártaros da Crimeia, etc., etc.
Noutro texto: “Três exemplos”, volta a soar o mesmo tema: “que não se tenha dúvidas: a agenda em desenvolvimento [levada a cabo pelo Ocidente] é uma replicação das «revoluções coloridas» que, recorde-se, instalaram na Ucrânia um regime de natureza fascista”.
Uma das razões do ódio à Ucrânia consiste em que o Partido Comunista desse país foi impedido de correr a eleições. É verdade que essa força política está proibida não só nesse país, mas em muitos dos antigos países integrantes ou satélites da União Soviética. E isto tem uma explicação, com a qual se pode concordar ou não. Pessoalmente, não concordo com semelhante proibição, mas é preciso chamar a atenção para o facto de esses países terem sido vítimas dos mais hediondos crimes perpetrados pelos comunistas.
Qual teria sido a posição do Partido Comunista Português se, após o 25 de Abril de 1974, as autoridades não tivessem proibido as actividades da União Nacional, da PIDE/DGS, da Legião Portuguesa e de outras organizações do Estado Novo?
Será que só os regimes de extrema-direita cometem crimes? Será que o assassinato de milhões de pessoas por regimes da extrema-esquerda não são crimes, mas apenas “desvios”?
Por isso, não compreendo o que leva 187 intelectuais lusófonos a assinaram uma carta aberta virada apenas para o combate contra a extrema-direita. Concordando com o que está escrito nesse texto, pergunto: mas porque será que eles não olham para o perigo que vem da extrema-esquerda? Como é que forças que apoiam regimes como a Venezuela, a Bielorrússia ou a China, podem defender a dignidade humana?
Sejamos sensatos, a vossa frase “na certeza de que, como sempre nos mostrou a História, quem adormece em democracia acorda em ditadura” vale tanto para a extrema-direita como para a extrema-esquerda. Ambas apenas geram violência, repressão, sangue, ódio. Os exemplos do passado e do presente ainda não chegam para ver que entre o nazismo e o comunismo venha o diabo e escolha?