Sim temos de pedir desculpa a todos os que morreram, às suas famílias e a todos os que tiveram de sair das suas casas. Em nome de sucessivos governos, em nome de todos os partidos políticos, que se concentram no que dá votos, na propaganda, na comunicação do dia da árvore ou disto ou daquilo. Temos de pedir desculpa, porque temos viabilizado escolhas erradas, temos validado uma hierarquia de valores que desagregou e desorganizou o Portugal. Perdão ainda por estarmos a assistir ao mesmo do costume, corridas legislativas como se apenas com leis se tratasse um problema tão grave como o que temos no país

A tragédia de Pedrógão Grande, o enorme número de vítimas mortais num incêndio, expõe de forma dramática o abandono a que está votado Portugal. Vimos no fogo e nas mortes o fosso entre um país urbano, pendurado nos direitos e desabituado a ter deveres, e um país que vive entregue a si próprio, esquecido. Foi-nos mostrado, de forma terrível, como são ocas são as palavras e os discursos contra a desigualdade. Desigualdade é isto, é um Estado não ser capaz de proteger aldeias de um incêndio.

Quem vive fora das grandes cidades já sabe há muito que há o país de Lisboa e do Porto, onde os políticos falam para quem lhes dá votos, com especial relevo para os funcionários públicos, e concentram-se no politicamente correcto. Esperava-se que as autarquias conseguissem preencher essa falha mas ou não têm competências ou alinham pelo discurso e a acção dos políticos da corte.

É muito difícil encontrar palavras para descrever a revolta com o que se passou. A preocupação com os mais desfavorecidos é de uma enorme hipocrisia, recordando cada vez mais as práticas do Estado Novo. Não se pensa em resolver problemas. Leva-se ao limite do absurdo a estratégia de comunicação, a actuação de acordo com o que é ditado pela pergunta: o que quer a maioria? Querem estradas? Que se façam mil estradas. Querem obras? Que se façam mil obras. Querem rendimento mínimo, aumentos salariais no Estado? Que se dê.

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A política pública é hoje ditada por impulsos, gerados pelo que se acha que as pessoas querem. Assim se explica que um país com a área florestal que tem Portugal não tenha conseguido até hoje ordenar a floresta. É mais fácil dar dinheiro aos bombeiros e à protecção civil. Todo o trabalho que não se vê e, como tal, conclui-se, não dá votos, vai sendo adiado. Quando acontece uma tragédia como aquela a que assistimos aliviam-se as consciências legislando. Foi sempre assim e volta a ser assim. A seguir esquece-se, até à próxima tragédia.

O país está desorganizado e desagregado, as instituições que funcionam parecem estar reduzidas às forças armadas e à polícia, PSP e GNR. Todo o aparelho do Estado está contaminado pela partidarização, numa total despreocupação com o serviço público. Foi isso que vimos em directo no que se passou com Pedrógão – quem tinha de dar os alertas a tempo não os deu, quem tinha de actuar rapidamente não actuou.

Responsabilizar sim, mas quem? A desorganização criou mecanismos de auto-protecção. Nunca se consegue perceber quem ou que entidade tem a responsabilidade de actuar. Tudo é muito difuso, nos incêndios como em tudo. Por isso é que tudo desagua depois na cabeça dos ministros. Caem ministros, ficamos contentes e tudo fica na mesma.

Temos de pedir desculpa a Pedrógão Grande. Porque somos nós os responsáveis por termos viabilizado tanta mediocridade, por estarmos a fazer crer aos políticos que é isso que queremos, coisas como diários da república verdes, declarações de intenções nunca realizadas, estradas e obras de fachada. Políticas que geraram um país profundamente desigual, onde uns são mais iguais que outros.

Pedrógão é o exemplo do abandono a que está votado o país, o quão oco é o que se diz sem se fazer.