Mais uma vez, o Governo mandou e os católicos foram forçados a obedecer a mais uma intromissão estatal. O Estado decidiu autoritariamente e impôs-se à Igreja: César é quem manda na casa de Deus, põe e dispõe, decide o que se festeja e o que não se celebra, onde se pode ir e aonde não se deve estar, quem se pode deslocar e quem deve ficar retido em inconstitucional prisão domiciliária.

É sabido que os novos ‘donos disto tudo’ tomaram de assalto não apenas os órgãos de soberania, como também a administração pública e não só: tudo é do Estado e o Estado são eles. Esperava-se que respeitassem a Igreja, como sempre a Igreja respeitou o Estado e as suas autoridades sanitárias, mas a ingerência estatal é cada vez mais descarada, insolente e provocadora.

Alguns exemplos. Suprimiu-se a celebração litúrgica da Páscoa, a mais importante festividade do calendário cristão, mas manteve-se e celebrou-se, com a pompa e circunstância habituais, a comemoração do 25 de Abril, em sessão solene da Assembleia da República. A Direcção Geral de Saúde teve até o descaramento de editar normas sobre a comunhão eucarística dos fiéis, à margem das autoridades eclesiásticas, as únicas competentes em questão da mais alta responsabilidade eclesial.

Proibiu-se a presença de peregrinos no santuário de Fátima, no dia 13 de Maio, aniversário da primeira aparição mariana mas, treze dias antes, permitiram-se os festejos do dia do trabalhador, na Alameda D. Afonso Henriques, graças à fantochada de um encenação de distanciamento social, que se esqueceu de esconder os autocarros que transportaram, sem as necessárias cautelas, os ‘espontâneos’ manifestantes arregimentados para o efeito.

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Não houve santos populares para ninguém, mas houve a festa do Avante! Nas igrejas, os fiéis têm que estar à distância de dois metros, mas nas bancadas do Grande Prémio da Fórmula 1 os espectadores estavam apinhados. Pelos vistos, o Governo entende que o vírus, que perigosamente frequenta os templos católicos e ataca com especial virulência nas festividades litúrgicas, não se propaga em eventos comunistas, nem automobilísticos…

As autoridades públicas, com o pretexto da pandemia, põem e dispõem como muito bem lhes apetece, esperando não encontrar, da parte dos fiéis, nenhuma resistência. O Estado quer uma Igreja submissa, sem voz, sem vontade própria, sem autonomia, que não se manifeste, que não defenda os seus direitos, que não questione a prepotência, que não se insurja contra a ingerência governamental. Uma Igreja que feche os seus templos, que adie as suas celebrações, que não visite os seus fiéis nos lares, que consinta que aos doentes internados não se dê o auxílio sacramental a que têm direito e que, agora, impeça que os católicos cumpram, junto às sepulturas dos seus familiares, o piedoso dever de sufragar as suas almas.

Prevendo mais este abuso autoritário do Estado, os bispos de Portugal saíram em defesa dos fiéis e das suas ancestrais tradições, recordando que “não seria apropriado o encerramento completo dos cemitérios”, pois há que ter “em conta que a emergência sanitária já dura desde Março e que muitas famílias enlutadas neste período nem sequer puderam acompanhar adequadamente os seus entes queridos em exéquias muitas vezes celebradas, como diz o Papa Francisco, de um modo que fere a alma” (Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, 12-10-2020, nº 4). Mas o Governo, ao proibir as deslocações fora do concelho de residência, a muitos impossibilitou a tradicional romagem às campas dos familiares defuntos.

Contudo, nem sempre foi assim. Basta recordar, mas não imitar, a revolta da Maria da Fonte, quando o povo se levantou em armas, contra as medidas ditas sanitárias – já então … – que, embora razoáveis, foram impostas de forma desrespeitosa para a liberdade religiosa dos fiéis e para as suas ancestrais tradições cultuais.

A Igreja, em Portugal, precisa de fiéis leigos como Lech Walesa e os sindicalistas de Solidariedade, aos quais, em boa parte, se ficou a dever a libertação da Polónia do jugo comunista. (Por sinal, que diria Marx ao ver o proletariado a derrubar o regime que supostamente deveria ter instaurado?!).

A Igreja, em Portugal, precisa de padres como os que deram exemplo de heroica disponibilidade ao serviço dos doentes, como São Damião, o apóstolo dos leprosos de Molokai. Ou como o Beato Jerzy Popielusko, assassinado pelo KGB polaco, em 1984, por se ter unido ao movimento Solidariedade, não para dirigir a sua acção sindical e política, o que seria um execrável clericalismo, mas para proporcionar aos seus membros católicos a graça dos sacramentos, a que todos os fiéis têm, sempre, irrecusável direito.

A Igreja, em Portugal, precisa de bispos como Karol Wojtyla, então metropolita de Cracóvia, que, numa cidade onde não havia nem podia haver nenhuma igreja católica, celebrava a Missa de Natal ao relento, com temperaturas negativas. Ou como Von Galen, que foi a intrépida voz da oposição católica ao nacional-socialismo alemão.

Desenganem-se os que querem converter a Igreja, em Portugal, numa repartição pública. A Igreja portuguesa é herdeira de três pastorinhos que, não obstante a perseguição e tortura psicológica do administrador do concelho, se mantiveram fiéis até à morte. A Igreja em Portugal revê, na generalidade dos seus padres, o heroísmo dos mártires de Marrocos e do Japão. A Igreja portuguesa é, nos seus bispos, depositária da herança espiritual e patriótica do missionário D. António Barroso, que a primeira República expulsou da sua diocese – mas que dizia, com humor, que nunca morreria de medo … nem de parto! – bem como de D. António Ferreira Gomes, também Bispo do Porto, que ousou fazer frente a Salazar e, por isso, foi obrigado ao exílio.

Dia de finados ou … dia de confinados?! A Igreja de Portugal – leigos, padres e bispos, porque todos somos Igreja e, como tal, corresponsáveis pela sua missão – não é uma assembleia de (con)finados, nem muito menos de finados, mas uma gloriosa porção, salvo alguma excepção, em que infelizmente me incluo, daquela multidão de santos que a Igreja universal festivamente celebra todos os anos, no dia primeiro de Novembro. Os santos não são apenas uma piedosa recordação, mas o exemplo vivo do que, aqui e agora, devem ser os cristãos, para que a Igreja, que é “o sal da terra” e “a luz do mundo” (Mt 5, 13-14), seja fiel à sua missão.