O Governo está empenhado em impor o que a Ministra da Presidência classificou como “mecanismos de prevenção e repressão do discurso de ódio, designadamente nas redes sociais” (Público, 12-7-2020). É sintomático que a ministra Vieira da Silva júnior, filha do ex-ministro Vieira da Silva sénior, tenha usado a palavra “repressão”, porque é de uma política repressiva que efectivamente se trata. O Governo, não satisfeito com o controlo que já exerce sobre quase toda a comunicação social, nomeadamente pela concessão generosa, mas não inocente, de subsídios, pretende agora, com o pretexto do “discurso de ódio”, policiar as redes sociais e as demais plataformas digitais de comunicação.

Claro que, para não escandalizar ninguém, não se fala de censura, mas de “monitorização” e, por enquanto, o seu alvo é apenas o “discurso de ódio”, nomeadamente nas redes sociais.

Uma atitude comum aos Estados totalitários é, precisamente, a de controlar a informação. Na China, na Coreia do Norte ou em Cuba não há, como em nenhum país comunista, liberdade de expressão. Permitir que o Estado possa recorrer a uma discricionária “monitorização” do discurso dos cidadãos, à margem da lei e da fiscalização judicial, é, certamente, uma perigosa deriva autoritária.

Como muito bem recorda a jornalista Leonete Botelho, “em Portugal o discurso de ódio está criminalizado no Artº 240º do Código Penal, que determina que quem incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.”

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Desculpa-se a governante com a necessidade de “procurar instrumentos de resposta quando esta acontece no meio digital”, mas o argumento não colhe, porque é óbvio que, também quando esse discurso ocorre online, é aplicável o Artº 240º do Código Penal. Com efeito, como esse preceito não especifica o suporte material em que se incita à violência ou ao ódio, a todos se aplica, sem excepção. Porventura, quando se expressa por via digital, é até mais fácil a prova, porque há registo de toda a actividade que nesse meio se produz.

Ainda segundo declarações deste membro do Governo, “não estão em causa críticas, opiniões ou debate político na internet, mas sim incitamento à violência ou ao ódio. A defesa de uma sociedade livre implica sempre procurar políticas que combatam o ódio e a violência”.  Se é esse incitamento que se pretende sinalizar e punir, não se entende a necessidade de novos “mecanismos de prevenção e repressão”, uma vez que esses comportamentos já estão suficientemente tipificados no referido Artº 240º. A não ser que, sob o pretexto da “defesa de uma sociedade livre”, se queira de facto criminalizar o discurso politicamente incorrecto, em cujo caso, mais do que novas “políticas que combatem o ódio e a violência”, se estariam a criar novos polícias do pensamento politicamente correcto…

É muito perigosa, a este propósito, a diferença que na peça jornalística se estabelece entre “o nível criminal e o nível cívico”. A saber: “Se a conduta é crime, denuncia-se; se não é crime, é um discurso que tem de ser trabalhado de forma abstracta e pedagógica.” Passa, portanto, a haver dois tipos de ilícitos: os puníveis pelos tribunais e os que seriam “trabalhados” – vá-se lá saber o que isto é! – “de forma abstracta e pedagógica”!

Ora, esta sibilina distinção é uma grosseira violação do princípio de legalidade, que estabelece que não pode haver nenhuma pena sem lei. Ou seja, se um determinado discurso é crime, por incitar à violência ou ao ódio, deve ser punido de acordo com a lei; mas se não promove essas atitudes, não só não pode ser legalmente punido, como não tem por que ser “trabalhado de forma abstracta e pedagógica”.

Se um discurso não é crime, decorre então do legítimo exercício de um direito fundamental, como é o da liberdade de pensamento e de expressão, que não pode nem deve ser “trabalhado” nem “monitorizado” por ninguém, muito menos pelo Estado. É irritante esta deriva, ao mesmo tempo paternalista e autoritária, do Governo que, com estes “mecanismos de prevenção e repressão”, se parece cada vez mais com os socialismos “democráticos” do Leste europeu que, como é sabido, de democráticos nada tinham. É, mais uma vez, a geringonça a funcionar, mas agora sub-repticiamente …

Não é menos preocupante que a melindrosa missão de monitorizar os discursos online e, eventualmente, proceder à sua denúncia e repressão, seja encomendada a instituições universitárias que não oferecem garantias de isenção, nem de idoneidade jurídica, por manifesto desconhecimento da Constituição e restante legislação.

Ainda muito recentemente, 67 “investigadoras e investigadores” que, pelos vistos, nem português sabem, subscreveram um “discurso de ódio”: o panfleto contra o estudo intitulado “A Nova Direita Anti-Sistema. O Caso do Chega” (Edições 70, 2020), do académico Riccardo Marchi. Este lamentável abaixo-assinado, que envergonha a universidade portuguesa, prova que não se pode pedir a fiscalização do “discurso de ódio” a quem recorre a este discurso, que nada tem de científico, para defender as suas muito discutíveis opções ideológicas. Não se trata, portanto, de nenhum controle jurisdicional, a exercer por juristas de reconhecida competência profissional e probidade moral, mas de uma censura política, embora disfarçada de “científica” e, por isso, confiada a instituições universitárias estatais, que oferecem a garantia de obediência ao partido no Governo.

Em Portugal, a ‘antena’ do Movimento contra o discurso de ódio do Conselho da Europa é o Instituto Português da Juventude e Desporto”. A escolha não podia ter sido mais desastrada, porque tanto a juventude como o desporto tendem, precisamente, a gerar discursos agressivos: basta pensar nas claques desportivas, cujas actuações primam, precisamente, pela violência que, paradoxalmente, se pretende combater.

É também alarmante a notícia da “criação e desenvolvimento da Rede contra o Discurso de Ódio (No Hate Speech Network), iniciativa de um grupo de jovens activistas de vários países europeus que pretende ‘criar uma rede sustentável que trabalhe internacionalmente para combater o discurso de ódio (…)’.”

Jovens activistas de vários países europeus”?! Mas, quem são estes jovens?! Activistas de quê?! Com que competência e, sobretudo, com que legitimidade pretendem interferir no exercício da liberdade de expressão de cidadãos portugueses?! Serão boys socialistas?! A liberdade de pensamento e de expressão é demasiado importante para que seja confiada a uns quaisquer jovens turcos, ou “activistas”.

Do mesmo modo como a missão da comunicação social é informar, a missão do Governo é governar, e não, como disse a Ministra da Presidência, “promover um maior conhecimento da realidade portuguesa e produzir informação”. Há alguma coisa errada quando um ministro assume descaradamente um propósito de propaganda política, porque é evidente que, por essa via, passa um atestado de incompetência a todos os meios de comunicação social, que pretende suplantar. Mais grave é, contudo, que o Governo use o seu poder para manipular a opinião pública, sem dar aos cidadãos a possibilidade do contraditório, uma vez que qualquer discurso desfavorável pode ser a partir de agora censurado, com o pretexto da “prevenção e repressão do discurso de ódio.”

P.S.: O caso de Artur Mesquita Guimarães, que não quis que dois dos seus filhos frequentassem as aulas de Cidadania e Desenvolvimento, invocando para o efeito objecção de consciência, bem como a proibição constitucional de publicitar conteúdos ideológicos no ensino, foi divulgado, em primeira mão, pelo Notícias Viriato, sendo depois referido pelo Observador. Como retaliação à corajosa atitude deste pai, o Secretário de Estado da Educação pretende que esses dois alunos, por sinal excelentes, regridam dois anos académicos. Vale a pena ler o que neste jornal escreveu o Professor Mário Pinto, ouvir a entrevista concedida por Artur Mesquita Guimarães ao Notícias Viriato, bem como os podcasts que aqui foram editados sobre este caso: enquanto Alberto Gonçalves alerta para o silêncio cúmplice de quase toda a comunicação social; José Manuel Fernandes entende que o Secretário de Estado da Educação, João Costa, mentiu.