“Viva o luto com calma. Permita-se sentir, não tente evitar a tristeza. Aceite a dor, ouça as vontades do seu corpo. Fique na cama se for preciso. Aceite os seus sentimentos, acolha a angústia. Acima de tudo, não tenha pressa. Deixe que o luto leve o tempo que for preciso para a cicatrização das feridas. Respeite o sofrimento que você está vivendo nesse momento.”

Em diversas versões diferentes, essa é mais ou menos a ideia central de muitas coisas que eu leio e muitos conselhos que ouço desde que perdi meu pai. E eu, honestamente, acho que tudo isso até faz bastante sentido. Que, de fato, o melhor a se fazer é viver a tristeza, em vez de tentar passar por cima dela. Na realidade, não tenho dúvidas de que esse seria o caminho certo.

Ocorre que eu venho descobrindo que o luto vivido calma é um privilégio de poucos. Pouquíssimos. O mundo não para porque você está sangrando. Os prazos judiciais continuam correndo, os boletos continuam com vencimento no prazo estipulado, os clientes seguem esperando que você lide com os problemas deles com urgência. Nada deixa de acontecer em virtude do seu sofrimento.

Soma-se a isso uma inacreditável avalanche de burocracias: os bancos, as seguradoras, a seguridade social, o plano de saúde, os contratos, os pagamentos, as formalidades. Empresas com bom treinamento disciplinam seus empregados para começar os atendimentos com a frase “sinto muito pela sua perda”. Seria engraçado se não fosse tão triste, Eu agradeço e, na sequência, o assunto já é dinheiro, assinatura, débito automático. Ninguém sente muito por nós – pelo menos não nessas circunstâncias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E conforme os dias vão passando, me pergunto a que horas é que nós conseguimos viver o luto como se deve. Talvez entre a reunião com os advogados do inventário e o encontro com o contador? Encostar a cabeça na janela do carro, investir em uma música triste e chorar por 6 minutos? Serve? Será que isso conta como “viver o luto em vez de negá-lo”?

Eu honestamente adoraria passar um dia na cama revendo fotografias, escolhendo músicas bonitas e acabando com um rolo de papel higiênico de tanto chorar. Acho que seria extremamente terapêutico. Seria pelo menos justo com o rombo que se abriu no meu peito. Mas são 22h01 de uma sexta-feira e aqui estou eu escrevendo essa coluna. Não existem pausas.

O mundo real não está nem aí para o seu luto. Frases bonitas virão muitas, mas capacidade real para ajudar virá pouca. Chorar sem pressa é um luxo para poucos. Atropelar o sofrimento não é propriamente uma escolha, é, em geral, uma simples necessidade cotidiana. Chorar é coisa que a gente deixa pro banho, prós 50 minutos de terapia, a  minutos de insônia na madrugada. Pois é. Ninguém disse que seria fácil.