Há coincidências que são curiosas, embora possam não passar de coincidências. Há dias, Michel Barnier, o novo primeiro-ministro francês, apresentou a sua proposta de orçamento para reduzir a elevada dívida pública da França. No início deste mês, Emmanuel Macron, que tem defendido o aumento da dívida comum europeia, anunciou que se iria centrar nas reformas de fundo da União. De certa forma, deixou a batata quente para Barnier. Na última terça-feira, Luís Montenegro endereçou uma carta a Ursula Von der Leyen na qual defendeu a emissão de dívida comum para que a União Europeia financie os investimentos necessários para recuperar o atraso face aos EUA e à China.

O tiro de partida para o endividamento da UE nasceu com a pandemia. Surgiu porque os estados se encontravam endividados e sem capacidade para financiarem a economia depois do confinamento que se abateu sobre as pessoas. Era para ter sido uma vez sem exemplo. Mas as vezes repetem-se e o exemplo perde-se. Depois da pandemia, veio a defesa e o necessário salto tecnológico.

A história diz-nos muita coisa e alerta-nos para algumas. Uma das lições é que a dívida excessiva (impostos para os mais novos) limita a soberania dos estados. O endividamento extremado esteve na base da queda de regimes, impérios e civilizações. Não é um assunto leve. Outra lição é que é difícil parar quando se começa a viver de dinheiro emprestado. A título de exemplo, em 1995, a dívida pública francesa era de 56% face ao PIB. Actualmente, anda próximo dos 112%. A dívida pública comum da UE era inexistente antes da pandemia. Qual será o seu montante daqui a 30 anos? Mais, qual será a alternativa quando atingir um montante incomportável e idêntico ao das actuais dívidas nacionais?

Porque o endividamento comum da União Europeia só está em cima da mesa porque os estados deixaram de ter condições para se continuarem a endividar. Desde o início deste século que os governos perceberam que os défices orçamentais teriam de ser reduzidos e as dívidas dos estados contidas. Por razões várias, o objectivo não foi alcançado. A solução encontrada é a do recurso a Bruxelas.

Por sinal, é possível que os custos dos juros da dívida pública comum, ou seja, da dívida da União Europeia suportada pelo orçamento europeu, sejam superiores ao esperado em 2020. O endividamento da União Europeia, além de colocar problemas futuros de financiamento da própria União, vai aprofundar as divisões que existem entre os estados que mais contribuem para o orçamento de Bruxelas e os que dele mais recebem. Seria uma repetição da crise das dívidas soberanas, só que numa altura em que a Rússia e a China assumem publicamente o seu objectivo estratégico de reduzir a capacidade de manobra do Ocidente.

A história alerta-nos para duras realidades. Para as implicações negativas que o atraso tecnológico provoca, mas também para o risco que é a fuga em frente no sentido do endividamento crónico.

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