Sempre que pode, o presidente do PSD gosta de dar a entender que é uma ilusão pensar que se podem fazer reformas estruturais sem o PS. Há, porém, uma ilusão maior: é pensar que se podem fazer reformas estruturais com o PS. É um dos mais patéticos equívocos da política portuguesa. O PS é um partido democrático e europeísta, mas a democracia e o europeísmo não chegam para o fazer alinhar com a direita nas mudanças que, desde o fim dos anos 70, começaram a ser conhecidas por “reformas estruturais”.
Em primeiro lugar, porque, a não ser que Rui Rio esteja a chamar reformas à submissão do ministério público ou à partilha regionalista do Estado, as “reformas estruturais” designam eufemisticamente a liberalização do regime, isto é, a diminuição do poder do Estado para criar situações de privilégio à custa da generalidade dos cidadãos. As reformas derivam da ideia de uma sociedade civil forte que, através de uma economia aberta, possa sustentar a sua liberdade perante o poder político. Não é essa a ideia do PS. O PS confia em que é no Estado, e não na sociedade, que reside a sabedoria e a justiça. O seu objectivo é, portanto, o controle da sociedade pelo Estado. O ensaio de domínio da banca, da comunicação social e das grandes empresas por José Sócrates, em coligação com Ricardo Salgado, não foi um acidente. O PS não quer ser simplesmente um partido: quer ser o Estado, e quer que o Estado seja o país.
Mas não foi o PS uma componente essencial das maiorias parlamentares reformistas? Não foi. As grandes reformas foram feitas por maiorias de direita, contra os socialistas, como notou Cavaco Silva em 1995, no seu livro As Reformas da Década. É verdade: o PS colaborou com a direita nas revisões constitucionais dos anos 80. Isso, porém, aconteceu em 1982 quando o PS (ou, para ser mais exacto, Mário Soares) ainda tinha, com a direita, inimigos comuns, como o PCP e o general Eanes, e em 1989, perante o descrédito final do marxismo com a falência do bloco soviético. Mas o muro de Berlim caiu há muito tempo, o general Eanes já não é presidente, e o PCP deixou de ser visto pelos socialistas como uma ameaça – o inimigo é hoje a direita. Depois do fracasso do seu keynesianismo de trazer por casa, a última razão de ser do PS, com uma direcção cada vez mais concentrada em algumas famílias, como se notou nesta última remodelação, é precisamente a “resistência à direita”, o que quer dizer — a quaisquer reformas estruturais. É claro que a direcção do PSD pode fingir que nada tem a ver com a direita. Mas não deixa de ser de direita quem quer.
Dir-me-ão: mas as reformas são necessárias, os socialistas terão de o reconhecer. É verdade que as reformas significam a nossa melhor aposta para escapar a vinte anos de estagnação e endividamento. Mas não é verdade que as reformas tenham de ser feitas enquanto o BCE financiar o endividamento e for possível cozinhar orçamentos com cortes de investimento e aumentos de impostos. Por isso, o PS continua a poder dar prioridade às suas conveniências. Na década de 1990, a Terceira Via ainda representou um reformismo de esquerda. Hoje, é repudiada por trabalhistas ingleses e sociais democratas alemães, todos convencidos de que o “radicalismo” é a única maneira de fixar o seu eleitorado. Porque é que António Costa e os seus amigos haveriam de se comprometer em reformas com a direita? Para darem espaço a movimentos à sua esquerda?
Apesar da estagnação e do endividamento, não haverá reformas em Portugal sem uma maioria reformista — ou, em alternativa, sem uma necessidade extrema. Por isso, Dr. Rio, deixe o PS em paz e trate dessa outra maioria, a não ser, repito, que as reformas em que está a pensar consistam simplesmente na submissão do ministério público e na partilha regional do Estado. Mas nesse caso, faça-nos um favor: não lhes chame reformas.