Se antes da pandemia já não era fácil entrar no mercado de trabalho, agora tornou-se tudo mais difícil. Milhares de jovens licenciados, com e sem mestrados, lutam por uma oportunidade nas empresas e organizações a que concorrem. Competem com outros, menos jovens e mais experientes, mas igualmente ansiosos por poderem trabalhar.

Iniciar a carreira, ou mudar de emprego, nunca foi tão adverso para tantos ao mesmo tempo, mas continua a haver oportunidades, e quem as encontra contribui para as poucas estatísticas positivas dos tempos que correm. E são dados como garantia de que a economia abrandou, mas o mundo não parou.

Começar a trabalhar no auge da pandemia tem sido objeto de estudo. Muita investigação se fez desde o início do ano de 2020, e há artigos científicos publicados sobre o tema com indicadores precisos sobre a realidade-real, escritos com o objetivo de gerar conhecimento, mas também ajudar os empregadores e os novos colaboradores a integrarem procedimentos inaugurais que permitem otimizar performances e atingir melhores resultados. E mais, que contribuem para prevenir o burnout e para afinar a comunicação, minimizando os equívocos e não-ditos, pois agora, mais do que nunca, a comunicação tornou-se vital.

A primeira estranheza, para quem teve a sorte de ser contratado em pleno Covid-19, é passar a trabalhar numa empresa, sem sair do seu próprio quarto ou da sala de casa. Salvo raríssimas exceções, quase todos os ativos recém-contratados entram virtualmente nas organizações sem nunca lá terem posto um pé. Sem terem tido a possibilidade de conhecer pessoalmente os pares, a equipa, o chefe, toda a hierarquia e até o espaço físico da empresa.

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Conhecer as pessoas e perceber a sua forma de funcionamento é tão decisivo como saber em que consiste o trabalho que é preciso fazer. A chamada job description até pode ser minuciosa e referir as principais rotinas e respetivas exigências, enunciando deveres e expectativas, mas jamais poderá conter os imprevistos e imponderáveis com que cada ‘novato’ vai ser confrontado dia após dia. E são precisamente essas situações inesperadas que os põem à prova e lhes dão músculo, e expõem as suas fraquezas e forças perante pares, chefes e coordenadores. Acontece que também se tornou mais delicado dar e receber feedback, pois a forma, o registo, o tom e o timing em que se aprecia o trabalho dos outros nem sempre é o mais justo e ajustado.

Aceder à cultura da empresa e ficar a perceber as lógicas e procedimentos é crítico em qualquer nova função profissional, mas leva o seu tempo. Nesta fase de pandemia, muitos novos contratados são desafiados a saber tudo e a conhecer todos em tempo record. Alguns chegam a ter 30 reuniões seguidas por dia, nos primeiros dias. Mini-encontros virtuais, de breves minutos, para se apresentarem e serem apresentados a toda a equipa. Ou seja, calls e zoomssucessivos, quase sobrepostos, sem se poderem levantar do computador para beber água, esticar as pernas ou ir à casa de banho. Tudo isto feito com boa cara e muito ânimo, pois ninguém quer (nem pode) falhar logo à entrada.

Conseguir memorizar nomes e funções, perceber quem faz o quê e quem reporta a quem, sem perder o fio à meada, é aquilo a que podemos chamar uma verdadeira conquista da nova classe operária. Dura e exigente, mas uma conquista. Quando as sessões se sucedem e certas matérias se repetem, a redundância narrativa/operativa fica mais confusa do que se pode imaginar, pois explicações em excesso (e dadas desta forma virtual, rápida e incisiva) acabam por ser prejudiciais. Pior do que a informação em excesso, só uma comunicação por defeito, com zonas de sombra e vazios que ficam por preencher, impedindo os ‘caloiros’ de juntar os pontos para terem uma visão do conjunto.

Dar feedback, pedir esclarecimentos e confirmar que estamos (e continuamos!) todos na mesma página passaram a ser tarefas ainda mais exigentes e absolutamente imperativas. Antes da pandemia, a comunicação interna nas empresas já era uma questão estratégica porque dela dependiam bons e maus resultados, mas agora tornou-se ainda mais crítica. Todos têm que saber falar entre pares e com a hierarquia sem criar mal-entendidos e sem gerar preconceitos, mantendo a clareza discursiva, a eficácia profissional e a ética laboral. Supostamente todos deveriam sentir que podem falar e fazer perguntas, pois é preciso voltar ao básico muitas vezes. Mesmo os profissionais mais experientes sabem que precisam de o fazer.

Um grupo de trabalho só se transforma numa verdadeira equipa quando a comunicação é eficaz, fluída e não erosiva. Quando todos se ouvem e entendem de forma construtiva, sem fazer julgamentos precipitados, sem presumir que os outros sabem do que estamos a falar, sem dar por adquirido que percebem o que não têm obrigação nenhuma de perceber, se não perdermos tempo a explicar. Como diz Alberto Brito, grande especialista em Comunicação e Relações Humanas: “explica-me devagar, para eu perceber depressa”. Devia ser este o mantra atual, mas de que falamos quando falamos em ‘devagar’? O ritmo e o tom não são sempre óbvios, dada a pressão a que estamos todos sujeitos, e fatalmente muita coisa se perde na comunicação virtual.

O ritmo de trabalho a partir de casa pode ser esgotante e, nesta lógica, saber como manter a motivação e a disponibilidade também passou a ser uma ciência. Há quem diga que hoje em dia muitos empregadores esperam dos seus colaboradores que estejam disponíveis 24hx24h, 7 dias por semana, e há quem se queixe de receber mails torrenciais fora de horas, a exigirem respostas imediatas, alguns deles impondo prazos apertados que obrigam a trabalhar incessantemente ao fim de semana.

Para muitos recém-contratados a conciliação pessoal-profissional passou a ser uma miragem, pois não lhes é dada a possibilidade de desligarem e dedicarem tempo à família. Trabalhar em modo remoto pode ser altamente eficaz e produtivo, mas pode levar a uma exaustão rápida, gerar desmotivação e algum alheamento, que é o oposto do sentido de pertença que se pretende cultivar nas organizações. É difícil entrar nas dinâmicas que já existem e pode ser muito frustrante a sensação de estar distante e sozinho no quarto ou na sala, sob grande pressão, quando na mesma casa há outras pessoas, com outros ritmos que em nada convergem com a exigência de um novo trabalho.+

O ritmo alucinante a que se trabalha a partir de casa, muitas vezes sem tempo para uma alimentação equilibrada e um descanso reparador, sem fronteiras estabelecidas entre horários de trabalho e rotinas pessoais ou familiares nunca tinha sido testado pela Humanidade como um todo. E é por isso mesmo que os estudos recentes são úteis, porque despertam a consciência e dão pistas concretas e práticas que permitem superar as adversidades contemporâneas.

Enfim, a realidade para quem começa a trabalhar ou muda de emprego durante a pandemia tem necessariamente que interpelar os gestores e diretores de recursos humanos das empresas, para criarem sistemas mais acolhedores e compatíveis com a aprendizagem e desempenho dos novos colaboradores. Há quem defenda um buddy system, ou uma escala de ‘padrinhos’ para acompanhar os que entram de novo, mas também há quem preconize regras estritas e horários imperativos para estabelecer fronteiras entre a vida privada e a vida profissional. Acima de tudo importa reforçar os canais de comunicação e fazer sentir a quem chega que é ouvido, que pode fazer perguntas, que tem direito a não saber como se faz nem a quem se dirigir. E não esquecer nunca que é duro começar um trabalho no auge da pandemia.