E Marcelo colou-se. Perante a maior crise dos seus dois mandatos Marcelo colou-se a Passos Coelho: “o país deve agradecer a Passos Coelho pelo passado e pelo que vem no futuro“ — declarou Marcelo na cerimónia do centenário do nascimento de Agustina Bessa Luís. Como é seu apanágio o presidente da República desdobrou-se depois em declarações, o que lhe permitiu referir de novo Passos Coelho: “Acrescentei uma coisa óbvia que o país deve ao primeiro-ministro Passos Coelho uma resistência que, ainda há dois dias, pude ouvir ser elogiada pela boca da então chanceler Angela Merkel. É reconhecido cá dentro e lá fora, é um facto. Por outro lado, entendo que sendo tão novo [Passos Coelho], o país pode esperar, deve esperar muito do seu contributo no futuro, não tenho dúvidas“. Resumindo, Marcelo usou a técnica que defendeu durante a sua entrevista à CNN em Agosto: a colagem. Marcelo admirava-se então de “os sucessivos líderes de direita, em vez de se colarem a mim, descolaram ostensivamente de mim. Quem é que se colava a mim? O primeiro-ministro e o PS”.
Assim ao sentir-se cercado pelas críticas a propósito das suas declarações sobre o número de vítimas de abusos sexuais perpetrados por sacerdotes católicos, Marcelo deixou de se ver como o político a quem os outros se deviam colar mas sim como alguém que precisa de se colar. E colar obviamente àquele que neste momento reconhece como o valor mais seguro da direita. Ou seja Passos Coelho.
Longe vai o ano de 2016 em que Marcelo e António Costa galhofavam em Paris ao contemplar um postal que reproduzia o quadro O Salto do Coelho de Amadeo de Souza-Cardoso. Agora Marcelo terá percebido horrorizado nas palavras de apoio António Costa que este o tolera enquanto ele, Marcelo. cumprir o seu papel de inútil útil. Rápido e lesto Marcelo virou-se para o seu campo político e dentro dele para o homem que mantém o seu prestígio como líder. Gerir este súbito entusiasmo de Marcelo pela sua pessoa não é certamente o menor dos problemas que se coloca a Passos Coelho na hora de fazer escolhas sobre o seu futuro político.
E os deputados socialistas transitam. Para a loucura da engenharia social. Vários deputados do PS entregaram no Parlamento um Projecto de Lei que visa instituir uma espécie de género à escolha nas escolas. O texto parece nascido da cabeça de um grupo de adolescentes a brincar aos sovietes: as crianças são tratadas como filhos da escola. Uma escola onde existem uma espécie de avaliadores do género. Os pais e encarregados de educação não são para ali chamados. Assim os pais deixam a Joana de manhã na escola, mas eis que a Joana resolve que é João. Logo “o responsável ou responsáveis na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença” avaliam a situação da Joana que quer ser João e diligenciam para que em toda a burocracia escolar, na sala de aula e demais assuntos a Joana passe a João, de aluna a aluno… Ou seja administrativamente a Joana mudou de género. Os seus pais podem opor-se? Neste projecto lei não.
A escola, e muito particularmente a escola pública, deixou de ser um espaço de transmissão de saber e de cumprir o seu papel de elevador social para se tornar um palco de engenharia social. Esta tem agora como epicentro o género. Numa espécie de processo vertiginoso de atomização rapidamente se passou da questão dos direitos dos homossexuais para se chegar ao residualíssimo universo trans e à apologia de uma neutralidade que defende uma coisa e o seu contrário ao sabor do que estiver a dar.
As consequências da actual transformação das crianças em cobaias físicas, mentais e cívicas das questões ditas de identidade de género serão sem sombra de dúvida o escândalo de abusos que vai suceder ao actual dos abusos perpetrados por sacerdotes católicos. O que era uma circunstância rara e que naturalmente devia ser atendida passou de excepcional a frequente: o número de crianças e jovens com disforia de género multiplicou-se entre mil a quatro mil vezes, consoante os países. Obviamente a maior parte destes casos não tem nada a ver com disforia de género mas dizer o óbvio tornou-se perigoso. Logo em países como os EUA a milhares de crianças alegadamente trans estão a ser administrados bloqueadores hormonais para que não desenvolvam características de género. Milhares de adolescentes fazem tratamentos com hormonas para que transitem de género. Vários destes tratamentos (e não apenas as cirurgias) têm consequências irreversíveis. Quem dentro de alguns vai pedir desculpa a esta geração?
Em Portugal, o lado clínico das transições corre de forma menos acelerada e também tem sido menos falado que as chamadas transições sociais. E é no âmbito das transições sociais que se insere esta proposta dos deputados do PS que ao instituir a aberração do género para efeito escolar acaba a transferir para a escola boa parte do poder paternal das crianças que se dizem transgénero. E das outras por inerência. Por tudo isto, esta proposta deve ser repudiada por aquilo que realmente é — um documento totalitário produzido por gente que quer avaliar o que fazemos, o que pensamos e como nos relacionamos com os nossos filhos — e não por aquilo que à primeira vista parece: um texto de quase três dúzias de chalupas.
E por fim e à atenção destes 35 deputados do PS deixo uma notícia sobre as consequências desta fantasia do género: na cadeia feminina de Tires deu entrada uma mulher acusada de ter esfaqueado os pais. A mulher em causa é anatomicamente falando um homem. Detalhemos: tem pénis e toda a anatomia inerente a um homem. Veste-se como mulher, identifica-se como mulher mas é um homem. Como invariavelmente acontece nestes casos com transgéneros as mulheres foram as primeiras a sofrer as consequências das fantasias legais com as mulheres transgénero: as guardas da cadeia de Tires foram obrigadas a fazer revista com desnudamento ao homem quando este entrou na cadeia. Protestaram mas foram obrigadas porque os novos regulamentos obrigam que a revista seja feita por guarda do género com que a pessoa transgénero se identifica. E assim as mulheres guardas tiveram de fazer revista à mulher transgénero que por sinal é um homem.