A pior coisa que podemos fazer nesta preparação para a pós pandemia é pensar que tudo vai voltar ao que era antes. Regressaremos à nossa maneira de viver, de trabalhar de ocupar os tempos livres, de nos deslocarmos? Não acredito que haja uma mudança significativa do nosso modo de vida. Temos hábitos, rotinas, preferências que de certa forma fazem parte da nossa identidade e das coisas que nos dão prazer fazer e que favorecem que nada mude. Porém, temos de inovar e de mudar significativamente alguma coisa no pós COVID. Porquê? Por várias razões, das quais saliento duas. Temos a responsabilidade de contribuir para um planeta sustentável ao caminhar para a descarbonização da economia. Temos o imperativo que a economia cresça sob pena de um novo colapso financeiro daqui a alguns anos quando os juros subirem e o peso da nossa dívida se mantiver acima dos 100% do PIB. É neste contexto, da necessidade de mudar de vida, que interessa discutir a temática da possível redução dos dias de trabalho semanal para quatro dias impulsionada pela decisão do governo espanhol desta semana de avançar com um projeto piloto nesse sentido. O que se conhece são as propostas do pequeno partido ecologista de esquerda Más País, que fez dos 4 dias de trabalho uma das seis propostas do seu manifesto político.  A proposta é  afectar 50 milhões de euros  para financiar até 200 empresas que queiram avançar com um plano de redução do horário laboral das 40h para as 32h sem redução salarial, sendo que o Estado financiaria 100% dos custos associados a esta redução no primeiro ano, 50% no segundo ano e 33% no terceiro.

O debate sobre a semana dos quatro dias, com redução proporcional das horas trabalhadas, já não é novo e foi grandemente impulsionado no início de 2020 pelo livro de  Andrew Barnes (com Stephanie Jones): The  4 days week com o sugestivo subtítulo:  como a revolução do trabalho flexível pode aumentar a produtividade, os lucros e o bem-estar, e ajudar a criar um futuro sustentável. Barnes, um empresário de sucesso, reparte a sua vida entre a Nova Zelândia (NZ) e a Inglaterra e é precisamente naquele país que uma empresa sua já testou, e está satisfeita, com o modelo. Também a Unilever na NZ vai aplicar o mesmo pagamento salarial, mas apenas a 4 dias de trabalho, a  81 trabalhadores nesse país. Se a experiência tiver sucesso generalizar aos 155.000 trabalhadores que tem no resto do mundo. Não por acaso na NZ  a sua admirável primeira-ministra, Justine Arden, mostrou-se favorável a esta medida, nomeadamente pelo impacto positivo no turismo doméstico.  Com o seu simples e incisivo bom senso avançou com duas ideias essenciais: é preciso pensar no bem-estar social do país e não apenas no bem-estar económico e que nem todas as empresas poderão adotar esse modelo, mas deve haver flexibilidade para que empresas e trabalhadores estabeleçam acordos diversos sobre este tema. São várias as empresas em vários países (Alemanha, Japão, Espanha, NZ, etc.) que ou dão a sexta-feira à tarde livre ou têm a semana dos quatro dias, mas o seu número e o facto de ser um fenómeno recente faz com que não haja evidência empírica suficiente sobre o efeito económico da medida. Aquilo que é robusto na literatura é que em termos macro existe uma correlação negativa entre o PIB por hora trabalhada e o número de horas trabalhadas. Países com maior produtividade trabalham menos horas em média (Dinamarca e Noruega) e países com menos produtividade trabalham mais (Grécia e Portugal). Correlação não quer dizer causalidade. Se do ponto de vista microeconómico não há suficiente investigação, em termos de bem-estar individual e de saúde mental, não parece haver dúvidas que a redução do horário semanal aumenta o bem-estar. Não admira se considerarmos que casos de redução de horário normal não são acompanhados de redução salarial. Do ponto de vista ambiental, não é preciso estudos para perceber que o impacto na redução de gases com efeito de efeito de estufa, pela redução da mobilidade e do tráfego, também seria significativo e semelhante à introdução de um dia de teletrabalho.

A reação da indústria a esta possibilidade de reduzir a semana de trabalho tem sido globalmente desfavorável. A confederação da indústria inglesa, a CBI, tem uma posição clara e simples: “quem é que recusaria uma semana de trabalho de quatro dias  com o mesmo salário? Mas sem ganhos de produtividade levaria muitas empresas a terem prejuízos.” Parece também claro que qualquer imposição de cima para baixo (leia-se legislativa) de uma medida desta natureza traria sérios efeitos adversos na economia. A solução deveria ir no sentido de se tentar ter um mercado de trabalho suficientemente flexível para poder ter empresas ou setores com quatro, quatro e meio e cinco dias de trabalho por semana. Estas decisões, resultantes de acordo entre empresas, sindicatos e trabalhadores, deveriam ter alguma estabilidade temporal. Isso levaria inevitavelmente, no caso português, a alterações no Código de Trabalho (CT). Não sou especialista em direito do trabalho, mas parece-me que o CT prevê sobretudo um tempo normal de trabalho semanal, e reduções a esse tempo em razão de deficiência (art. 54º), ou o regime de tempo parcial com preferência da adoção desse regime para situações específicas de trabalhadores com responsabilidades familiares  (e.g. com filho menor de 12 anos), trabalhadores com reduzida capacidade de trabalho ou a estudar (artigos 150º a 156º do CT). Esse regime deveria ser alargado para situações em que por razões de desejo de maior “bem-estar individual” fosse possível estabelecer contratos individuais de trabalho com 32 horas em quatro dias, em que a remuneração poderia ser a mesma que o tempo completo das 40 horas semanais, ou poderia ter uma redução  máxima de, por exemplo, 10%. Adotariam esta modalidade sobretudo as empresas em que os ganhos de produtividade esperados superassem os efeitos da redução do tempo de trabalho. Ninguém seria forçado a adotar esta modalidade.

Independentemente dos meandros jurídicos para implementar a semana dos quatro dias, estou convencido que encarado de uma forma descentralizada, flexível e de comum acordo entre empresas, sindicatos e trabalhadores, trabalhar 4 dias traria mais bem-estar individual e social melhorando o desempenho económico e ambiental do país. É uma boa ideia que merece ser bem trabalhada.

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