De um jantar de Verão, ficou aqui a amadurecer uma ideia que discutia com a minha irmã na mesa à varanda. Ambos somos da geração que tirou licenciaturas pré-Bolonha, e uma das nossas primas e grandes amigas (vou utilizar o nome fictício de Rafaela), que agora vive no Dubai e procura oportunidades de trabalho onde mora, depara-se com uma dificuldade: tem uma Licenciatura em Psicologia pré-Bolonha (5 anos) que, exclusivamente por causa da lei portuguesa, não é equivalente a um Mestrado, que precisa para o exercício da profissão no Dubai. Acresce que tem extensa experiência profissional e que se encontra inscrita na Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), mas não existindo protocolos de reconhecimento dos graus académicos ajustados de forma justa à transição de Bolonha (muito provavelmente devido à indulgência dos sucessivos governos portugueses na transição de Bolonha), teve que entretanto inscrever-se num Mestrado (pagando) que mais não é do que uma duplicação (mesmo que actualizada, não se justifica) de qualificações. Mas este problema não se limita apenas a quem pretende (ou teve que) emigrar: por exemplo, se alguém em Portugal se quiser candidatar a um concurso público que exija como condição essencial o grau de Mestre, uma Licenciatura pré-Bolonha não é reconhecida como tal, independentemente da experiência que se tenha. Esta ausência de legislação pode levar não só a injustiças, mas também a que quem queira contratar se veja limitado nas suas escolhas por uma mera razão burocrática.
A questão a que pretendo então responder neste artigo é: Será mesmo que as qualificações da Rafaela (Licenciatura pré-Bolonha) não são já, com uma enormíssima probabilidade de não necessitar de qualquer escrutínio, equivalentes às de um Mestrado pós-Bolonha? A resposta só pode ser, se quisermos ser justos (spoiler alert!), usando o sábio grito de vitória do nosso querido grande herói moderno Ronaldo, um vibrante: ‘Siiiiiiiim!’.
O contexto geral
Em 1999, 29 países Europeus aderiram à Declaração de Bolonha. O processo resultou numa estrutura de qualificações superiores divididas em 3 ciclos que se aproxima aos modelos Europeu e Norte Americano. Portugal implementou esta nova estrutura em 2006 (que não foi assim há tanto tempo que justifique ignorar o problema, já que os Licenciados anteriores a 2006 representam a força do mercado de trabalho qualificado actual) que pode ser visualizada graficamente no site da Universidade de Coimbra aqui. Como se pode ler no site da Universidade do Porto aqui, “o processo de Bolonha visa promover a comparabilidade, a transparência e a legibilidade dos sistemas europeus de ensino superior. Para o efeito, as instituições de ensino superior tendem a centrar-se na reorganização dos graus e diplomas, na implementação dos instrumentos que promovam a mobilidade e a empregabilidade (sistema de créditos ECTS, contrato de estudos, escala europeia de comparabilidade de classificações e suplemento ao diploma), bem assim como no desenvolvimento de mecanismos que garantam a qualidade e acreditação dos seus cursos.”
O argumento ‘3 ciclos’ e uma certa confusão linguística
De uma forma geral, antes de Bolonha (i.e., antes de 2006), e exceptuando cursos em que é necessária formação complementar para o acesso ao exercício de determinada actividade profissional, o sistema Português de Ensino Superior consagrava 4 ciclos de estudo: Bacharelato (3 anos), Licenciatura (4 a 6 anos), Mestrado (2 anos), e Doutoramento (detalhes irrelevantes para o texto).
Com Bolonha, passamos efectivamente a ter apenas 3 ciclos de estudo, mas um deles obtém-se por duas vias, que são bem distintas. Aqui reside um problema de interpretação. Embora passemos a designar apenas 3 ciclos como sendo os de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento, na verdade, pelo menos um dos ciclos (o Mestrado) pode (ou podia até há muito pouco tempo) obter-se por duas vias bem distintas: a sub-graduada (undergraduate) e a pós-graduada (postgraduate). Portugal comete então alguns erros de interpretação e emendas (piores que o soneto?) que levam (ou devem-se?) a alguma confusão.
O primeiro (e talvez o maior) erro em Portugal foi o de utilizar a designação ‘Licenciatura’ para o 1.º ciclo. Este nosso complexo de inferioridade tão clássico, em que achamos que só pelo titulo conseguimos atribuir mais prestígio àqueles que deveriam (com brio) continuar a ser chamados de Bacharéis, só leva a confusão interna, externa, e à enorme injustiça a que se assiste que é a de não reconhecer automaticamente a maioria (senão todos) os Licenciados pré-Bolonha como Mestrados pós-Bolonha. Note-se que na génese de Bolonha está, como foi dito acima, aproximar os modelos Europeu e Americano (i.e., anglo-saxónico). Acontece que nos Estados Unidos da América, assim como no Reino Unido, a língua oficial é o Inglês em que o 1.º ciclo ainda se designa por Bachelor, cuja etimologia da palavra (para além da sonoridade que deveria ser bastante) é seguramente a mesma que a da palavra Bacharel. Por exemplo, um Engenheiro formado com o 1.º ciclo no Reino Unido adquire as siglas BSc (Bachelor of Science) ou BEng (Bachelor of Engineering). Estes são graus académicos com a mesma duração de 3 anos (ou 4 anos no caso de haver estágio entre o 2.º e o 3.º ano).
A primeira e óbvia conclusão é que tudo seria mais fácil (e justo) se as nossas Licenciaturas actuais (pós-Bolonha, ou pós 2006) fossem designadas por Bacharelatos, como já se fazia antes e ainda se faz quando nos expressamos em Inglês que é a língua Internacionalmente aceite. Até porque a tradução é muito mais fácil, já que o significado de Litentiate (à falta de melhor termo) em Inglês é: sorry, you have what? Um Licenciado pré-Bolonha em Portugal não é neste momento mais que um Bachelor do ponto de vista Internacional, ao mesmo nível que um Bacharel pré-Bolonha, e aqui começam os desequilíbrios. Foi com surpresa (e consternação, para não fugir ao lugar comum) que a Rafaela viu o seu grau de Licenciada ser reduzido a um Bachelor of Science, um curso de 3 anos, quando traduzido para o Inglês por uma advogada.
O segundo erro na abordagem portuguesa foi o de não saber reconhecer que há Mestrados diferentes e que compreendem graus com competências, ou princípios à admissão, ligeiramente diferentes. No Reino Unido, por exemplo, existem os Mestrados sub-graduados (undergraduate, ou ‘integrados’ como chamamos na Europa) e os Mestrados pós-graduados (postgraduate). Na verdade, sendo ambos de 2.º ciclo, apresentam características relativamente diferentes. Por exemplo, não é possível ninguém de fora ingressar num MEng (designação de Mestrado Integrado em Engenharia no Reino Unido) que não tenha progredido vindo do BEng dessa mesma Universidade e curso, mas já é possível qualquer pessoa de fora da Universidade (desde que cumpra os requisitos de admissão) ingressar num MSc (designação de Mestrado pós-Graudado em Engenharia no Reino Unido) de outra Universidade e até numa área científica distinta. Ou seja, há um reconhecimento tácito de que existem duas vias para o grau de Mestre no Reino Unido (como acontecia até há pouco tempo em Portugal antes de acabarem com os Mestrados Integrados por razões que me parecem meramente orçamentais, mas isso é outra discussão que já tive a propósito do financiamento aqui).
Ademais, os títulos obtidos são diferentes, no caso MEng vs MSc (ainda há o MRes, ou Master by Research). Como se verá adiante, a palavra ideal que temos do dicionário português para melhor descrever um Mestrado (sobretudo o que não é pós-Graduado), ou no exemplo um MEng, é a palavra ‘Licenciatura’, assim como não há no dicionário português melhor palavra para se designar um Mestrado Pós-Graduado, ou no exemplo um MSc, do que, simplesmente, a palavra ‘Mestrado’. Aliás, ambas deveriam ser hoje sinónimos. Esse é o entendimento geral da nossa língua e que o nosso povo faz dela (ainda hoje, 14 anos volvidos), mas a maneira como o processo de Bolonha foi implementado em Portugal ignora isto, penso que (o meu pensamento é especulativo) simplesmente para tentar fazer com que os novos Bacharéis, por via da alteração do nome, sintam mais prestígio (se não é essa a razão, então só pode ser a de valorizar por baixo, o que ainda é pior, pois não consigo mesmo ver outras razões).
Portugal, entretanto, resolveu acabar com os Mestrados Integrados, por lei. Todas as Universidades que os tinham tiveram de acabar com eles e apresentar à acreditação os dois ciclos separadamente. Na maior parte dos casos, adoptaram versões para garantir que o ‘licenciado’ pós-Bolonha teria alguma qualificação profissional. Ou seja, e é esta a verdade e há que dizê-lo, acabaram por ceder nivelando por baixo.
Em suma, o sistema actual consagra realmente 3 ciclos, mas Licenciatura e Mestrado deveriam ser hoje sinónimos. Se quisermos utilizar uma linguagem que se aproxime mais do Inglês internacional, então o termo que deveria ter desaparecido deveria ter sido o de ‘Licenciatura’, nunca o de ‘Bacharelato’, e ter feito corresponder aos únicos Licenciados de facto (i.e., os pré-Bolonha) o título de Mestre de forma automática. Para mim, as Licenciaturas acabaram em 2006.
O argumento do sistema de créditos ECTS
O acrónimo ECTS serve para designar o Sistema Europeu de Transferência de Créditos (European Credit and Accumulation Transfer System). De uma forma muito simples, a aquisição de competências é medida por créditos. Quando se atinge um determinado número de créditos, isso corresponde a um grau académico. Vamos a contas?
Antes de Bolonha, de uma forma geral e agora vendo o sistema Português de Ensino Superior em termos de ECTS em vez de duração como vimos antes, este consagrava 4 ciclos de estudo: Bacharelato (correspondente a 180 ECTS), Licenciatura (correspondente a 240 a 360 ECTS), Mestrado (correspondente a 90 a 120 ECTS pós-graduados), e Doutoramento (detalhes irrelevantes para este texto). Isto é talvez o que nunca foi feito mas deveria ter sido, mas tendo eu estado envolvido na implementação do processo de Bolonha directamente como docente num Politécnico, e sendo também estudante durante esse período numa universidade pública (no caso, de Doutoramento), sei bem que as diferenças não foram assim tão substanciais que não seja fácil (e até imediato) fazer esta correspondência. No caso particular dos Politécnicos, salvo pequenas actualizações e ajustes nos programas, os Bacharelatos passaram a designar-se por Licenciaturas e as Licenciaturas passaram a designar-se por Mestrados quase de forma directa e imediata.
Mais uma vez, convido o leitor a consultar a tabela da Universidade de Coimbra aqui para aferir a validade da informação que relato.
Ora, com Bolonha, em que dividimos os ciclos em 1.º, 2.º e 3.º ciclos, temos o 1.º ciclo que corresponde a 180 a 240 ECTS, o 2.º ciclo que corresponde a um total de 300 a 360 ECTS no caso do Mestrado integrado (ou sub-graduado) e a 90 a 120 ECTS complementares (totalizando 270 a 360 ECTS) no caso do Mestrado pós-Graduado, e o 3.º ciclo que não nos interessa.
Estão a ver o padrão? Por que razão deixamos de chamar ao 1.º ciclo, que teria 180 ECTS antes de Bolonha como tem depois de Bolonha (salvo algumas excepções que não são a maioria) Bacharelato, e passamos a chamar Licenciatura? Isto significa que para se obter o grau de Licenciado, antes de Bolonha eram exigidos o equivalente a 300 a 360 ECTS e depois de Bolonha apenas 180 ECTS – quase metade! Não é injusto que, aqueles que tiveram de se submeter a uma formação mais prolongada e porventura mais avançada e aprofundada, agora compitam no mercado de trabalho, inclusivamente em concursos públicos, com aqueles que têm ‘metade’ da formação quando medido em termos de créditos ECTS? Não seria mais justo (e útil para os empregadores) que os que tiveram que fazer pelo menos 300 ECTS pré-Bolonha (antiga Licenciatura) fossem automaticamente reconhecidos como tendo um 2.º ciclo pós-Bolonha (actual Mestrado), já que do ponto de vista do sistema de créditos há perfeita equivalência?
Já agora, antes que se argumente que em pré-Bolonha (i.e., antes de 2006) o sistema de créditos não tinha ainda sido implementado, eu entrei no Instituto Superior Técnico em 1995 e lembro-me que todos os programas já estavam mapeados sob um sistema de créditos, portanto isto tudo não era nada de assim tão novo em 2006 que não pudesse ter sido previsto e acautelado aquando da sua implementação.
Curiosamente, no Reino Unido (o País que, a par com os Estados Unidos da América, detém as Universidades e cursos superiores que disputam o topo de todos os rankings de melhores do Mundo) um Mestrado (salvo as devidas excepções) corresponde a 240 ECTS, tal como uma licenciatura de 4 anos pré-Bolonha deveria valer. Voltamos sempre ao mesmo: Licenciaturas pré-Bolonha, quando vistas da perspectiva do sistema de créditos ECTS deviam ser consideradas, do ponto de vista legislativo, equivalentes a Mestrados pós-Bolonha.
Todos sabemos, lá no fundo, bem no fundo, ou porque conhecemos alguém que tirou uma Licenciatura pré-Bolonha, ou porque nós próprios o fizemos, que isso corresponde a um nível de formação bem mais vasto do que aquilo que uma ‘Licenciatura’ pós-Bolonha pode conferir. Chamo a atenção que não pretendo de forma alguma fazer uma crítica aos Licenciados pós-Bolonha, que não têm culpa de nada disto. As suas qualificações são excelentes e reconhecidas internacionalmente, simplesmente em Inglês chama-se a isso um Bachelor, que se traduz muito mais facilmente por Bacharelato (que poderão sempre complementar com um Mestrado e/ou Doutoramento, na mesma ou noutra área, e assim atingir o nível de qualificação que necessitem para o exercício de determinada profissão).
O argumento Ordem Profissional
Algumas Ordens Profissionais, como seja a Ordem dos Engenheiros, teve o comportamento que se poderia esperar de uma Ordem que regula a profissão. Ela própria criou um sistema de reconhecimento de competências em diferentes graus, designados por E1, E2 e E3, em que admite os Licenciados pós-Bolonha (3 anos) no nível de competências E1 e os Licenciados pré-Bolonha (5 e 6 anos) no mesmo nível E2 que os ‘Mestrados pós-Bolonha’, conforme pode ser visto nesta comunicação do Bastonário Eng.º Carlos Mineiro Aires e no artigo 16.º do Regulamento de Admissão e Qualificação à Ordem dos Engenheiros. Aliás, a Ordem dos Engenheiros chegou mesmo a fazer um pedido de iniciativa legislativa em 2017 (que saúdo) para a equiparação de Licenciados pré-Bolonha a Mestres pós-Bolonha, mas o governo deixou por cumprir esta promessa que tinha feito (ver aqui). É interessante notar que noutros Países, como seja a Espanha, já aqui ao nosso lado, com quem sempre nos comparamos (valha-nos Aljubarrota!), foi criada uma solução legislativa quando esta injustiça foi identificada e que resolveu definitivamente o problema nesse Pais, até porque isso é, de um ponto de vista macro, do seu interesse económico.
O impacto que esta indulgência tem em pessoas altamente qualificadas e que hoje têm extensa experiência profissional pode ser relevante, pois pode colocar barreiras (injustificadas) ao progresso nas suas carreiras (inclusive, internacional e pública).
Voltando ao meu caso pessoal, e para ilustrar o ridículo da situação legislativa em Portugal, a minha Licenciatura pré-Bolonha em Engenharia Mecânica (2001) pelo Instituto Superior Técnico é considerada equivalente a um BSc (Bachelor of Science) no Reino Unido. Um BSc é um curso superior com elevado conteúdo prático e relativamente baixo conteúdo matemático, mas para quem como eu teve que gramar com pelo menos 6 matemáticas no lombo (já para não falar de métodos numéricos), é no mínimo de estranhar que aceitemos este tratamento (vexatório, até) por parte de outros Países (mas a culpa é inteiramente nossa e não deles!). Felizmente, estar inscrito na Ordem dos Engenheiros (eles não me estão a pagar nada, acreditem), que pertence à FEANI (Fédération Européenne d’Associations Nationales d’Ingénieurs), e sendo o Engineering Council no Reino Unido também um associado, consegue um português com uma Licenciatura pré-Bolonha (desde que inscrito na Ordem) ser reconhecido com competências profissionais ao nível de Mestre no Reino Unido, fazendo-o dar o salto (imediato) de Incorporated Engineer para Chartered Engineer. Valham-nos as Ordens Profissionais (pelo menos a dos Engenheiros) quando os sucessivos governos têm sido completamente (repito) indulgentes nesta matéria, quando deveriam defender os seus cidadãos e quando esta inépcia prejudica o prestígio das instituições Portuguesas que conferem graus académicos.
O argumento tese
O meu último argumento tem que ver como terceiros olham para uma Licenciatura pré-Bolonha em Portugal. A razão tem que ver com um dos argumentos utilizados para não conferir a equivalência automática entre Licenciatura pré-Bolonha e Mestrado (integrado) pós-Bolonha: a tese. Não sei como é noutras áreas científicas, mas em Engenharia o raciocínio que havia há uns anos atrás era o de que o projecto final de curso não era, realmente, uma verdadeira tese de Mestrado (i.e., com componente de investigação). Mas será que isto faz algum sentido? Ora vejam-se três pequeníssimos exemplos (não vou referir os nomes das pessoas envolvidas porque não lhes perguntei se o podia fazer).
O primeiro exemplo é pessoal. O meu projecto final de curso foi escolhido pela APMI (Associação Portuguesa de Manutenção Industrial) para representar Portugal em 2002 numa competição que se chamava European Master Thesis Competition in the Field of Maintenance, organizado pela European Federation of National Maintenance Societies. Note-se a palavra ‘Master’ no título da competição. Embora não a tenha ganho, o meu projecto final de curso foi admitido internacionalmente na competição como estando ao nível do que se pode esperar de uma tese de Mestrado tendo, tanto quanto sei, ficado classificado entre as cinco melhores ‘teses’.
O segundo exemplo é o de um Belga que veio da VUB (Vrije Universiteit Brussel) e que esteve a fazer Erasmus durante o seu último ano de curso no Instituto Superior Técnico em 2003/2004, no mesmo laboratório onde eu iniciava a minha carreira de investigação (ganhei um bom amigo!). Quando chegou a altura de ele apresentar o projecto a um júri que continha elementos portugueses e belgas, ele escreveu as palavras ‘Master Thesis’ na capa. Prontamente esta versão foi rejeitada e ele teve que substituir estas palavras por ‘Report of Final Project’. Ora, acontece que na VUB (que era a Universidade que efectivamente lhe conferia o grau) esta mesmíssima versão foi aceite como tese de Mestrado, e assim lá adquiriu ele o grau de Mestre pela VUB. Não foi necessário chegar à VUB e pagar para fazer uma ‘monografia’ como ouvi dizer que se faz em algumas Universidades. Nem eles acharam que por ter sido feito em Portugal, que o trabalho não teria o valor suficiente (aliás, excepcional) para ser considerado como estando ao nível de Mestrado.
O terceiro exemplo é o inverso do anterior. Quando comecei a trabalhar como Engenheiro na indústria ferroviária, o meu coordenador mais directo na ADtranz/Bombardier Transportation, que era formado em Engenharia Eletrotécnica pela Universidade de Coimbra, tinha feito o seu último ano como aluno de Erasmus numa Universidade na Suécia. Já adivinharam: o seu projecto final de curso ostentava, como lhe era legitimo, as palavras ‘Master Thesis’ na capa.
Para rematar, os Mestrados atuais podem terminar com uma tese ou, em alternativa, com um projecto (que não é obrigatoriamente feito em ambiente industrial), ou mesmo com um estágio. Qualquer das licenciaturas antigas cabe nestas categorias (pelo menos, em Engenharia e até em Direito). Portanto, isto é uma ‘não questão’ na maior parte dos casos que conheço.
Conclusão
A conclusão é evidente. Está no título. A minha prima Rafaela deveria ser equiparada a Mestre pela legislação portuguesa e não deveria ter que pagar nem mais um tostão ou perder mais tempo a estudar para demonstrar as competências necessárias ao exercício da sua profissão, especialmente porque se trata neste caso de se exigir por via da lei uma duplicação de competências apenas porque as competências adquiridas antes de 2006 não estão a ser reconhecidas ao nível que deviam devido a uma ilusão que é causada por uma imprecisão linguística.
Este é um assunto que dava pano para mangas, e o artigo já vai longo, mas só em conversa e analisando os diferentes cursos poderíamos esclarecer melhor a situação. Portugal fez um (enorme) disparate optando por dar o nome errado a formações que não o merecem. Mas é o costume neste País: nivelar por baixo. Agora os indignados (com imensa razão) que se resolvam, pelos seus próprios meios, devido às confusões internacionais com uma designação (Licenciatura) que ninguém sabe o que é. Andar para trás será dificílimo, e provavelmente não teremos outro remédio senão aceitar que os actuais Licenciados sejam designados como tal. Mas isso não reduz, pelo simples facto de usarmos a mesma palavra, as competências dos Licenciados pré-Bolonha, que, como o texto espero bem demonstre, deviam ser hoje equiparados a Mestres, de facto.