O eleitor português pouco conta para a escolha dos deputados da nação. Aquilo que lhe é pedido, de quatro em quatro anos, é que coloque uma cruzinha num boletim de voto com os símbolos dos partidos. E por isso a larga maioria dos eleitores em Portugal, caso vote, nem se dá ao trabalho de conhecer os candidatos. Tem sentido. Porquê mobilizar energia mental para algo em que não nos é exigido que participemos? Esta não é, porém, a realidade da esmagadora maioria dos países europeus, em que, com sistemas eleitorais variados para a câmara baixa do parlamento, é permitida a expressão de um voto preferencial, nalgum(a) candidato(a).
Num artigo numa obra coletiva organizada por André Freire, apresentei os argumentos favoráveis à necessidade dessa reforma bem como os critérios que deveriam ser satisfeitos pelo novo sistema eleitoral. Por sugestão do organizador coloquei mesmo a reprodução dos boletins de voto de três sistemas diferentes que permitem voto personalizado (ver Apêndice 3). O complexo e criativo voto único transferível da Irlanda, em que o eleitor ordena os candidatos e onde se pode ver a foto do(a) candidato(a), pasme-se, e a sua morada (!); o simples voto preferencial dinamarquês, em que o eleitor faz apenas uma cruz num nome de um candidato de um partido num círculo eleitoral pequeno e finalmente o voto duplo alemão em que o eleitor deve votar quer num partido quer num candidato a ser eleito num circulo uninominal, mas com apuramento plurinominal.
Em breve sairá pela Almedina um ebook, coordenado pela Marina Costa Lobo, com as intervenções num seminário organizado pelo Instituto de Políticas Públicas (IPP) e o ICS sobre a reforma do sistema eleitoral.
Este tema veio novamente a debate esta semana com o seminário sobre reforma do sistema eleitoral na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em torno de uma proposta (uma variante do sistema alemão) apresentada pela Associação Portuguesa para uma Democracia de Qualidade (APDQ) e a SEDES com a participação do Presidente da República (PR), de representantes de partidos políticos e de alguns deputados constituintes (Vital Moreira e António Barreto). A sensação que retirei do debate é que em regra as gerações acima dos sessenta anos, e que acompanham estes debates há décadas, já não acreditam na possibilidade de reforma. Por outro lado, os partidos políticos dividem-se e defendem propostas mutuamente incompatíveis. Os pequenos partidos estão contra pois acham que esta proposta os prejudica. Nos grandes, PSD insiste teimosamente na redução do número de deputados (que os outros partidos não aceitam) e apoia (?) voto preferencial em lista, enquanto PS continua a apoiar uma variante do sistema alemão, como relembra Pedro Delgado Alves.
Aqui chegados, com pessimismo dos que mais se têm debruçado sobre isto e desacordo entre partidos, estaremos condenados a nos próximos 30 anos sermos observadores das escolhas de deputados dos diretórios e distritais partidárias? Como não subscrevo as teses do materialismo histórico e da inevitabilidade dos percursos evolutivos das sociedades só posso responder com isto: depende do desempenho do regime democrático, da economia e do empenho numa reforma que todos tivermos nos próximos anos.
É necessário que haja indivíduos e organizações empreendedores da reforma. José Ribeiro e Castro, tem sido um empreendedor e com a proposta da APDQ/SEDES, que é muito meritória, existe, como referiu, um ponto de partida para um debate e melhoramento da mesma. É preciso continuar o debate académico e aprofundar tecnicamente as propostas. Neste caso a separação dos círculos da Madeira e Açores parece-me inevitável e há que trabalhar concretamente o desenho dos círculos uninominais. Isto credibilizaria mais a proposta. Dos sistemas eleitorais de voto personalizado uma variante do modelo alemão é, a meu ver, o mais possível de vir a ser aceite no futuro pelos partidos que não o subscrevem hoje, pois apesar de tudo mantêm um controlo estrito sobre quem são os candidatos que poderão ser eleitos. A diferença é que neste sistema seriam conhecidos. Sabendo que os partidos não estão muito mobilizados para a reforma, e que os mais velhos estão naturalmente pessimistas, é bom que as organizações da sociedade civil e os indivíduos, sobretudo das gerações mais jovens, se mobilizem e pressionem os partidos para esta mudança.
Professor catedrático do ISEG, deputado independente eleito pelo PS