Esta semana assistimos à tomada de posse dos deputados à Assembleia da República (AR), à eleição atribulada do seu Presidente, e dos elementos da mesa, e ao anúncio do novo elenco governativo. O que podemos esperar deste novo ciclo político? Antes de responder à questão olhemos para a nova realidade parlamentar.

Nesta legislatura, PS e PSD juntos perfazem pouco mais do número de deputados necessário para aprovar tudo o que necessite de uma maioria de dois terços. Convém lembrá-lo, pois não se sabe se se manterá esta proporção dos dois maiores partidos numa futura configuração do Parlamento.

Fonte: Elaborado pelo Autor. (cenários a negrito quando a proposta da “AD” é vencedora). Legenda: Iniciativa legislativa AD: “V” – voto favorável, “X” voto contra e “0” abstenção.

A aritmética parlamentar é relativamente simples assumindo que há disciplina de voto em cada grupo parlamentar e, para simplificar, que PSD e CDS votam sempre alinhados. Há três partidos (PSD, PS e Chega), e não três blocos, que são determinantes pois quaisquer votações favoráveis de dois deles determinam maiorias absolutas. No que toca ao PSD só tem dois acordos mínimos vencedores: ou à esquerda com o PS ou à direita com o Chega. Sobra ainda uma coligação negativa de PS e Chega, que pode acontecer na votação do OE. Para o governo AD, com o apoio da IL, poder aprovar as suas propostas na AR, em maioria relativa, uma possibilidade é a abstenção do PS (cenário 4). O PS tem assim um papel chave neste parlamento. Outra possibilidade, caso o PS vote contra, é o Chega abster-se, assim como os partidos (Livre e PAN) supostamente mais moderados à esquerda (cenário 6) . Os casos em que é possível a derrota do governo AD, são múltiplos, mas sobressaem os seguintes para além da já referida coligação negativa entre PS e Chega: se toda a esquerda votar em bloco e o Chega se abstiver (cenário 5) ou se a IL votar com o PS, mesmo com a abstenção de todos os restantes partidos (cenário 7). O governo é derrotado também se houver dois empates consecutivos, o que pode acontecer com a abstenção do Chega e do PCP (cenário 8) ou do Chega e do Livre.

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Esta aritmética mostra a fragilidade do novo governo. O PSD deve ter aprendido com o episódio lamentável da eleição do Presidente da AR, do qual foi corresponsável com o Chega. Há questões fundamentais do regime que exigem, ou deveriam exigir, maiorias absolutas, tal como a escolha de personalidades políticas relevantes, decisões sobre obras públicas estruturantes, etc. Nestes casos, a conversa deve ser obviamente com o PS pois qualquer “acordo de cavalheiros” com André Ventura está sujeito a ser rasgado. O PS esteve bem, ao apresentar a proposta de presidência rotativa da AR, porque mostrou perceber que preservar o normal funcionamento das instituições está acima da luta política ordinária.

No que toca à atividade legislativa, seja através de decretos-lei ou propostas de lei do governo, ou através de projetos de lei dos grupos parlamentares na AR, a AD está numa camisa de varas. Se quer conquistar o voto favorável do Chega (pois a abstenção não é suficiente), por exemplo na votação do Orçamento, terá de chegar a um acordo com Ventura o que significaria Luís Montenegro renegar a sua palavra. Se quer conquistar a abstenção do PS, terá de lhe fazer cedências, sendo criticado à direita por isso.

O PS também não me parece estar numa situação fácil. A posição do PS que tem sido repetida pela corrente que segue Pedro Nuno Santos (os críticos estão de momento calados) resume-se ao mantra: nós lideramos a oposição, o nosso programa é completamente diferente do do PSD e por isso é praticamente impossível viabilizar o OE2025. A estratégia é simples de perceber. À semelhança dos Açores, o PS quer empurrar o PSD para os braços do Chega, levá-lo a tomar medidas mais à direita com a expectativa de sair reforçado em novas eleições. Esta estratégia é arriscada, pois os braços do Chega não são confiáveis e o mais provável é que leve à demissão do governo, se este for incapaz de fazer aprovar propostas de lei essenciais na AR, nomeadamente o Orçamento do Estado. Como verão os cidadãos uma coligação negativa do PS e Chega para chumbar o primeiro OE deste governo? Se o PS for percecionado como responsável por essa crise política pode ser penalizado. Quem poderá ganhar com uma nova crise política no espaço de um ano é o Chega.

Dada a instabilidade e incerteza política decorrentes destes cenários que temos pela frente, o governo não deve fazer tábua rasa do passado, mas antes analisar os estudos e as poucas reformas deixadas pelo governo cessante e não fazer grandes mudanças organizacionais. Não deve ser acrescentada à instabilidade e fragilidade política de um governo minoritário a instabilidade administrativa e pessoal nos serviços públicos.