Em França, o próximo domingo poderá tornar perdida para um candidato radical a impressionante maioria parlamentar do presidente Macron. Por comparação com as presidenciais de abril passado, ninguém parece agora especialmente preocupado com a aliança das esquerdas que foi arquitetada para dar uma hipótese ao seu elemento mais extremo.

O persistente Mélenchon, agora líder da esquerda francesa, arma todos os alarmes do costume, do antissemitismo às teorias da conspiração de todo o tipo, com um percurso peculiar que começa no trotskismo e inclui três candidaturas à presidência derrotadas logo à primeira volta. Os seus talentos são evidentes, da oratória à capacidade de sobrevivência, e adequados ao ar dos tempos.

Uma guerra impopular e o aumento do custo de vida podem ser as melhores condições para o sucesso da personagem do velho esquerdista – aquelas que, por exemplo, nunca aconteceram a Jeremy Corbyn. Mesmo assim, com um contexto favorável e a disposição de quase toda a esquerda para suportar as suas ambições, o máximo que Mélenchon parece poder almejar é o fim de uma maioria de Macron, nunca a sua própria.

A lição francesa, que já as sucessivas investidas de Le Pen tinham oferecido, é ainda sobre os limites dos radicais para recompor a política. É verdade que Mélenchon e Le Pen ajudaram a afastar o debate público do centro, moldando a opinião consensual ao mesmo tempo que foram esboroando o eleitorado dos partidos tradicionais. No entanto, a sua influência continua limitada ao zeitgeist, à capacidade para moldar o destino de governos que continuam a ser dominados pelo centro de sempre, ainda que com um representante novo.

Macron, que começou como Júpiter e poderá acabar com um mandato desconfortável, tem a responsabilidade do seu passado. Se a sua presidência funcionou exatamente como aquilo que a França gostaria de ser, o seu governo terá sido tudo aquilo que a França agora é. A maioria forte no parlamento era composta de deputados que devem a sua carreira política ao presidente, que concorreram num partido que era o homem e para servir a sua visão.

O resultado foi cacofónico, insuficiente para as legítimas expectativas e sempre menos espetacular do que a presidência. O reformismo que definia o macronismo original revelou-se uma questão de tom, não de política. Isso ajuda a entender a campanha desastrada que tem ajudado a explicar o resultado da primeira volta das legislativas. Macron tem uma visão para a presidência que consegue apresentar e fazer valer junto do eleitorado, mas já não tem uma ideia de governo que justifique uma maioria absoluta. No final do dia, ao abdicar de governar para presidir, Macron arrisca-se a conseguir exatamente o que quis. Pode aquela presidência repetir-se sem uma maioria?

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