O início de um processo penal faz-se com o conhecimento da prática de um crime e pela identificação dos seus autores. Depois são semanas – ou meses – de investigação à procura de vestígios, concretamente indícios e evidências que se mostrem suficientes para afirmar a existência do crime ou as circunstâncias em que ele ocorreu. Funcionam apenas como dados prováveis para se desenvolver um raciocínio lógico que permita relacionar o ato com o suspeito ou os suspeitos.
Os indícios estabelecem uma provável relação com os factos e necessitam de ser submetidos a outras análises para confirmação ou rejeição, sendo, por isso, elementos subjetivos. Exemplo: a presença de determinada pessoa num determinado local a determinada hora.
As evidências são objetos ou sinais que permitem relacionar elementos ou factos. Quando falamos em evidências determinamos a certeza de algo. Assim, podem as evidências converter-se em argumentos científicos que confirmem – ou descartem – a hipótese em que a investigação se encontrava a trabalhar.
As escutas telefónicas constituem evidências muito sensíveis, na medida em que a sua utilização representa uma inegável intromissão na vida privada das pessoas. Afiguram-se, porém, como um poderoso meio idóneo de obtenção de prova, constitucionalmente admissível e que cumprem o disposto no Código do Processo Penal, desde que validadas por despacho judicial competente, e os crimes em investigação tenham uma moldura penal superior a três anos, no seu limite máximo. São um meio de prova que revela sempre o maior interesse para a descoberta da verdade.
Para efetuar escutas telefónicas a alguém é preciso que se cumpram três requisitos legais, a saber: primo, o requisito processual da autorização judicial; secundo, o requisito material da tipologia dos crimes; tertio, o requisito pessoal ligado ao suspeito da atividade criminosa por ser autor, ou cúmplice.
No decorrer das escutas, como é óbvio, torna-se praticamente impossível não gravar conversas informais, irrelevantes para qualquer investigação. Ora bem, o artigo 188.º do Código de Processo Penal garante a proteção da privacidade e a eliminação de tudo o que não importa para o caso em apreço, procedendo-se à sua destruição no final do processo, após o trânsito em julgado.
As provas são instrumentos utilizados para verificar a veracidade dos factos. No âmbito jurídico, são entendidas como provas indiciárias todas aquelas que são aceites pelo juiz de instrução como argumentos válidos, demonstrativos e verosímeis da possível imputação de factos a uma determinada pessoa. A função da prova é demonstrar a responsabilidade (ou não) pelo ato sob investigação.
A lei das escutas telefónicas não é uma lei criminosa. Em democracia, as leis não são atos criminosos, e estão sujeitas sempre ao julgamento da constitucionalidade da própria lei.
A reação às escutas a conversas telefónicas entre o ex-primeiro-ministro, António Costa, e o então ministro das Infraestruturas, João Galamba, no âmbito da chamada «Operação Influencer», nada tem de jurídico, mas de pura pressão sobre o jornalismo de investigação.
O jornalismo de investigação, dedicado a explorar e a revelar informações ocultas ou pouco conhecidas que exercem grande impacto nas sociedades, começou a desenvolver-se em finais do século XIX e inícios do século XX, e muito ficou a dever à jornalista norte-americana Elizabeth Cochrane Seaman, mais conhecida pelo pseudónimo Nellie Bly. Quando trabalhava para o jornal «New York World», por volta do ano 1887, aceitou investigar denúncias de abusos e maus-tratos num hospital psiquiátrico para mulheres, em Roosevelt Island, e de as levar ao conhecimento do mundo. Nos tempos atuais, a corrupção, os abusos de poder e o tráfico de influências consistem em temas centrais da investigação jornalística.
Mas, pergunto, será que a divulgação de escutas põe em causa o bom nome, o direito à proteção da imagem pública ou da vida privada de políticos que são alvo de investigação?
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu, em junho de 2022, que a divulgação pública de escutas telefónicas autorizadas e validadas por um órgão judicial, entre o primeiro-ministro lituano e outros políticos, com conversas comprometedoras a sugerir envolvimentos em atividades ilícitas e corrupção, não violava o direito à vida privada protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Aquele Tribunal destacou «a importância do controlo público em potenciais casos de corrupção política», acrescentando que, embora a reputação do indivíduo escutado tenha sido prejudicada pela divulgação das suas conversas telefónicas, «nenhum elemento factual e, sobretudo, nenhuma evidência indicou que essa mesma reputação haja sido afetada de forma desproporcional.»
A divulgação de escutas telefónicas é uma área complexa que envolve um delicado equilíbrio entre o direito à privacidade e o interesse público, mas sem a intervenção jornalística não teria havido, por exemplo, estes três casos: a) o caso Watergate (EUA), que envolveu gravações secretas efetuadas por «plumbers» da CIA, e as quais conduziram à renúncia do presidente Richard Nixon; b) a Operação Lava Jato, que divulgou um esquema mafioso de alta corrupção; e c) o caso Nóos, em Espanha, que envolveu a infanta Cristina, filha do rei emérito Juan Carlos de Bourbon e Bourbon-Duas Sicílias.
O jornalismo de investigação desempenha um papel vital nas sociedades modernas, atuando como um incansável vigilante. Sem ele tudo seria menos transparente, menos justo, e as pessoas menos informadas e menos capazes de corrigir os seus erros.