Francisco Sá Carneiro ficará na história como um dos mais importantes precursores do 25 de Abril quando abandonou o pseudo-parlamento marcelista, acompanhado por alguns membros da «Ala Liberal» mas não todos. Significativamente, o motivo da sua ruptura com a ditadura não foi a economia nem aliás a guerra colonial em curso, mas sim a recusa da permissão para visitar as condições dos presos políticos da altura (1972-73).

É certo que o golpe militar de ’74 fugiu rapidamente à liderança do General Spínola e dos seus adeptos. Contudo, o carácter inicial do golpe – instaurar um regime democrático e não fabricar outra sociedade – só se percebe se for tido em conta o papel dos democratas assumidos da época, nomeadamente Mário Soares, como disso testemunham os artigos dirigidos por ele ao General Spínola no jornal «Le Monde» desde o movimento falhado de 16 de Março promovido pelos militares moderados.

O fim da guerra colonial foi o motivo imediato dos golpes militares. No exílio, onde se encontravam milhares de desertores, refractários e emigrantes fugidos à tropa, sabia-se aquilo que se preparava em Portugal através de jovens militares de carreira que viriam a participar no golpe… Foi também no exílio que Mário Soares criou o Partido Socialista um ano antes da queda do regime. Quanto ao Partido Popular Democrático (PPD) foi criado dia 6 de Maio de ’74 e rebaptizado um ano depois como Partido Social-Democrata, tendo ficado até hoje com um duplo nome que só mostra as suas contradições actuais! Quanto ao Centro Democrático Social, foi criado em Setembro de ’74 e mais tarde crismado Partido Popular, o que também não lhe acrescentou clareza. Entretanto, o PCP e vários grupos «esquerdistas» saíram da clandestinidade onde haviam permanecido até então.

Poucos anos depois, em 1980, Sá Carneiro morria em campanha eleitoral num acidente aéreo, juntamente com o vice-presidente do CDS e outros políticos. As mortes ficaram por explicar até hoje e envenenaram para sempre a democracia portuguesa, o que não é coisa boa. Após a morte de Sá Carneiro, vigorou a aliança PPD+CDS e em 1983 constituiu-se, finalmente, o único governo do «bloco central» que houve no país, oportunamente liderado por Mário Soares (1983-85) contra a tentativa de regressão democrática promovida por Ramalho Eanes, presidente da República. Entretanto, Soares alcançava os seus dois grandes objectivos: a consolidação do regime democrático e a adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Entretanto, o seu ministro das Finanças (Ernâni Lopes, PPD) resolveu a crise de 1983-84 e iniciou o desmantelamento das estatizações feitas pelo PCP e o MFA.

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Finalmente, Cavaco Silva (volvido presidente do PSD) assumia – como minoritário de 1985 a ‘87 e como maioritário de ’88 a ‘95 – o cargo de primeiro-ministro durante o qual reprivatizou as empresas estatizadas e fez crescer a economia como só sucedera na passada década de Sessenta mas nunca se repetiu. Enquanto presidente da República (2005-15), Cavaco já não conseguiu controlar José Sócrates (2005-11) nem evitar a queda do governo de coligação PPD+CDS provocada pelo «golpe parlamentar» do PS em 2015.

Com efeito, o afastamento do novo líder do PPD, Pedro Passos Coelho (2011-15), após a recuperação da crise provocada pelo PS, abandonou pouco depois a vida política (2013). Sucedeu-lhe Rui Rio, que perdeu as sucessivas eleições legislativas contra o PS em 2019 e 2022. Apesar de o PPD ter ganho quase 250 mil votos na eleição de Janeiro passado e de o PS ter alcançado a «maioria absoluta» com apenas 41,5% dos votos, a derrota de Rui Rio obrigou-o a renunciar à presidência do PPD, o que desencadeou uma expectável luta de nomes avulsos sem virtudes particulares, até agora, para combater os seus concorrentes.

Além de optar de vez por um só nome, o PPD-PSD tem de rever as causas das suas sucessivas derrotas desde 1996 e da própria vitória amarga de 2011. Ao fim de mais de dez anos, o partido carece como pão para a boca de uma análise breve, rigorosa e muito clara dos males do país de forma a apresentar ao eleitorado uma solução credível. Com efeito, a última vitória do PPD remonta quase 30 anos atrás, quando Cavaco Silva entregou o país a gente como Fernando Nogueira e acólitos, ao mesmo tempo que perdia a presidência da República para Jorge Sampaio em 1996 e só a conquistou demasiado tarde dez anos depois.

Neste longo período, à parte escritos importantes de Cavaco Silva, como o recente «Empobrecimento e silenciamento», não tem havido pensamento político relevante da parte do PPD, como aliás sucede também com o PS. É a miséria programática dos partidos de poder. Independentemente de Rui Rio e dos seus rivais, há muitos anos que o partido do duplo nome, o PPD-PSD, se reduz a um «puzzle» de dirigentes locais cujos interesses são mais particulares do que nacionais. Se quer ressuscitar, terá de apresentar propostas radicalmente inovadoras e projectadas no futuro. Só assim.