Em tempos, uma fundação espanhola publicou um anuário político ao qual chamou a “Estratégia da crispação”, referindo-se à postura do Partido Popular durante os anos de governo socialista com Zapatero.

Em Portugal, periodicamente, levantam-se igualmente umas quantas vozes recuperando o tema da crispação e surgindo como arautos da distensão e do consenso. Por regra, esta “estratégia da distensão” associa-se a personagens da esquerda política, quando esta está no poder, ou ao chamado “centrão”, ou seja, personagens públicas, sobretudo do sector privado dependente do Estado, cujo modus vivendi se baseia fortemente na confluência dos partidos do poder e na continuidade. Para eles, crispação significa risco de mercado.

A “estratégia da distensão” assume presentemente contornos curiosos. Ouvimos o partido do Governo acusar o PSD de crispação e de radicalismo, o que não é tacticamente novo. Até partidos (ou proto-partidos) da esquerda política, cuja afirmação social e, portanto, política, se sustenta desde sempre na “agitprop”, criticam a postura ríspida e crispada do partido maioritário no parlamento.

Existem claros indícios de que esta linha discursiva poderá igualmente ser parte constante das intervenções do novo presidente da República. Certamente que com fins genuínos visando a criação de consensos e de “pontes” mas cujos ecos junto da opinião pública chegam já filtrados ao ponto da mensagem da esquerda e a do presidente da República parecerem una e até concertada.

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Não se entendendo ainda qual o posicionamento do Partido Popular, apesar da mudança de líder permitir também a mudança de aliados políticos a prazo, chegamos ao foco da tensão e da crispação: o PSD.

E aqui não há mistério: face à razia do actual Governo relativamente a um conjunto de políticas e de micro-reformas do anterior governo de coligação, impostas por um memorando negociado pelo PS ou forjadas no executivo, seria legítimo esperar que o líder do PSD e chefe do Governo responsável por essas medidas tivesse outra postura? Seria provável que o vencedor das eleições que viu recusada a sua proposta de consensualização de diversas políticas com o PS se submetesse agora ao “diktat” da esquerda apenas para aparentar “distensão”? Ou que renunciasse às opções políticas que protagonizou em áreas socialmente sensíveis em nome do consenso?

Muito ficou por fazer no anterior Governo e muito poderia ter sido feito de outra forma mas nada do que não fez ou do que poderia ter feito melhor se aproxima das propostas do actual Governo.

Os estrategas da distensão parecem igualmente esquecer-se que o sistema democrático assenta em “checks and balances” onde ninguém fiscaliza sem ser igualmente fiscalizado. A crispação é parte essencial da democracia que, para acomodar tensões, criou escapes – por via da liberdade de expressão e de manifestação – para que um falso ou imposto consenso não se transforme, por via da acumulação crescente de tensões políticas e sociais, num irreversível movimento de revolta e de explosão social. É aí que a crispação se transforma em conflito.

A nossa vizinha Espanha constitui um exemplo com décadas de que a crispação ou a tensão não são nem impeditivas de unidade nem constituem factores inibidores do desenvolvimento. Nos media audiovisuais e escritos, na economia, nas comunidades autonómicas e entre estas e Madrid, nas organizações da sociedade civil, fundações, associações ou centros de estudo, a separação política é totalmente assumida e a tensão é permanente e encarada com normalidade. A tensão cria militância e a militância cria empenhamento e participação cívicas.

Os estrategas da distensão serão, por isso, os primeiros responsáveis pelo continuado afastamento dos portugueses dos assuntos públicos.

A bem da qualidade do sistema político, aqueles que hoje são apontados como o foco da tensão deverão por isso resistir a qualquer ímpeto de auto-censura e prosseguir o combate político, seja este ameno e distendido ou tenso e crispado.