A gota de água que fez transbordar o vaso da minha irritação foi aquele “Aceder”. Aceder a quê? Afinal eu só pretendo pagar um serviço que contratei. Não quero aceder a nada pois aceder implica uma vontade de fazer parte de algo mediante o cumprimento de determinados pressupostos. Ora eu quero tão só pagar o que usei. Sou uma cliente, não uma amiguinha.
Para agravar a confusão entre o cliente e os amigos há empresas que fazem questão de acompanhar o momento em que “acedemos” com mensagens de solidariedade com as mais variadas causas. Esclarecerem o cliente nas suas muitas dúvidas é-lhes difícil para não dizer impossível, já inundarem-no com arengas de miss mundo deve fazê-los sentir “melhor pessoas”!
Mas voltemos ao aceder. Num algures que não sei precisar a nossa relação com as empresas – públicas e privadas, que nisso não se distinguem, antes pelo contrário – transformou-se numa espécie de ritual de iniciação de clube de adolescentes de que o aceder é apenas uma parte.
Tudo começa com o registo, acto que oficialmente se faz em minutos e que na prática acaba a roubar-nos uma ou mais horas. O registo implica invariavelmente uma sucessão de passos que tem de ser cumprida com rigor de iniciado numa fé exigente, caso contrário temos de repetir tudo até finalmente conseguirmos ficar registados ou, horror dos horrores, bloqueados, estatuto que nos tempos actuais equivale à antiquíssima deportação para o mundo das trevas.
Registar-se tem que se lhe diga. Ele é o nome e o username, mais o email e esse “Que Deus me acuda!” dos nossos dias que é a password. Cada registo deve ter uma password forte e diferente de todas as outras passwords que já temos. (Já devem existir coleccionadores de passwords! As passwords são como aqueles sacos de ráfia de supermercado: uma excelente ideia até ao momento que se multiplicam pelos cantos da casa sem que sejamos capazes de os deitar fora.)
Uma boa password deve ter maiúsculas e minúsculas, pontos, sinais e mais não sei o quê. A password, avisam-nos os sábios destes assuntos, não se deve escrever, donde, pergunto porque este é um facto que deveras me intriga, como é que os bons cidadãos, aqueles que nunca repetem uma password nem recorrem ao tradicional 1234567 ou similar, conseguem lembrar-se das dúzias de passwords que invariavelmente acumulamos?
Mas passemos à frente. Devidamente munidos da password registamo-nos então. Mas onde? No canal digital, obviamente. Para quê? Para ter acesso. Acesso a quê? À área de clientes, seja isso o que for. Não há empresa grande, pequena ou minúscula que não considere que para se relacionar connosco nos devemos registar no seu site. Em troca dá-nos uma área de cliente à qual acedemos, como acólitos, para sabermos aquilo que ela, empresa, outrora nos comunicava.
Antigamente a área de cliente era o balcão. Fosse para tratar de assuntos ou para armar um banzé, momento muito salutar na nossa condição de clientes/utentes/consumidores. Abertos ou semi-fechados, ornamentados, austeros, cheios de arrebiques… os balcões lá estavam à nossa espera. Com alguns modelos destes balcões até desenvolvemos uma relação especial. Ou mesmo nacionalmente idiossincrática. Quem não se lembra dumas protecções de balcão instaladas habitualmente nos serviços públicos, nos idos dos anos 70 do século passado, que tinham uma estrutura não sei se de plástico se de vidro que se interpunha entre nós e o funcionário e que no centro, que ficava ali pela altura do nosso nariz, tinham uma circunferência em relevo para onde era suposto falarmos? Quem nunca acabou meio de cócoras a falar pela ranhura onde devia colocar os papéis, ignorando olimpicamente a tal circunferência para onde devia falar, que atire a primeira pedra! A confusão era tal que a dado momento até se colocaram uns avisos a explicar como se devia falar diante de tal coisa! Mas sempre havia um sítio onde nos podíamos dirigir e pessoas que eram obrigadas a ouvir-nos. Agora temos umas setas para as perguntas frequentes que supostamente responderão a todas as nossas dúvidas e um chat em que ao fim de cinco minutos de alegada conversa estamos a interrogar-se se estamos perante a inteligência artificial ou a estupidez natural.
Já sei que a área de cliente permite obter informação muito rapidamente, que poupa deslocações e resolve muita coisa. Mas também sei que um balcão verdadeiro faz muita falta.